Com duas coisas tem de se defrontar quer o homem, quer o rapaz.
Com a vista de nesga da Morte, logo ali ao virar da esquina, e com a triste constatação de que é enganado pelo mundo, pelas coisas e pelos outros homens. Engolido este fel, está livre para caminhar ebriamente até à felicidade, se e somente se, tiver aprendido a lidar com esta merda. A senhora Morte explica-lhe, «-Despacha-te filho da puta, se queres deixar marca no mundo, estou a contar os segundos que passam. Deixa lá marca no mundo, que daqui a 100 anos ninguém sabe que exististe, e os teus descendentes nenhuma ligação genética terão contigo. O palhaço do Platão, a dizer que a imortalidade se conseguia de duas maneiras, foi a maior anedota que já ouvi, e geração após geração, vossas excelências acreditam nela.» Portanto, sócio, mano, se estás à espera de deixar legado, vive na ilusão, que eu também. Resta a segunda, a do engodo. Desde os jogos mistos no recreio da C+S sabes que não só és mortal, que o punho e falanges do outro menino te fazem chorar, mas também que os professores protegem as meninas, que são, dizem, mais frágeis, e que se te derem um pontapé ou encontrão, não deves responder na mesma moeda, afinal, o esperma é barato e o masculino dispensável, o mundo é feminino dizem-te mais tarde, e se estrebuchas muito, és chamado de misógino, machista, retrógado, e toda uma variedade de adjectivos acima de chamar uma homicida de «puta» na rua. Acreditas tanto nisto que te esqueces que as mulheres podem matar. Literalmente. Não falo cá de coisas de coração, falo de facas pistolas e mandar assassinar. Ah, e não é só delas, que defendem implacavelmente as vantagens da vitimização. É deles, dos que como tu ostentam uma pila no meio das pernas. O jogo é descolhoar o outro, para agradar à Ela, à deusa, que lá vai lançando umas migalhas doces, para aquele que passa por vencedor da vida. Não existem tréguas, não existe compromisso. Para uma estratégia de transmissão vencer, uma tem de se submeter. A mulher quer o melhor da vida. O homem também. Infelizmente nenhum dos dois coincide. À mulher, o macho vanilla serve apenas como prémio de consolação, não como sorte grande, essa que nunca se contentou com ela, o que lhe abanou o barco para toda a vida. Sabes o que é foder por favor ou obrigação, e foder a partir de desejo genuíno? Sabes o que é ter uma mulher de frente para ti, e perceber que o seu desejo é apenas o de superação de uma tarefa que lhe permita manter o puzzle do qual fazes parte? Sabes o que é ter uma mulher que se for preciso renega a própria religião ou vai presa contigo, apenas para estar contigo? Compara ambas e diz-me o que tem sido a tua vida até agora. Nunca pensara que a justificação para eu sentir saudades das fases de enamoramento, ser por nelas ter o melhor sexo, por elas se esforçarem para garantir aquilo que acham ser o melhor que conseguem Pelo menos até que alguém as convença que são melhores ou conseguem melhor. Portanto, também é discutível. A Cármen levou um pontapé em cheio no esterno, ficando a ofegar no meio do autocarro. Mas quem és tu para me bateres só porque não gostaste da minha brincadeira, igual à que faço com os rapazes? Os professores viraram-se para as meninas que choravam ao perder o jogo de futebol, e disseram-lhes «-Não sejam maricas, sejam mulherzinhas, se eles vos dão, vocês dão por igual!» Nada disto aconteceu, fui eu que levei um pontapé no esterno e fiquei sem ar, agarrado ao estômago até conseguir inalar algum ar. Porque brinquei com a Cármen, da mesma forma como brinquei com os outros meninos. Se me queixasse que tinha sido demasiada a distância entre crime e castigo, teria sido apelidado de mariquinhas. Quem é a Cármen hoje? Mais uma ressabiada com a vida, que vive raivosa de as filhas serem mais felizes longe dela e de o ex marido ter voltado a casar. Nada em si há de recriminável. Tem uma cona no meio das pernas e isso justifica todos os cheques em branco e mensagens floridas que a sociedade lhe dá. A mesma sociedade que lhe parece aliviar o angst de existir, condena-a à solidão nesta orbe celeste. Vive com gatos e agarrada à enxada para ainda poder pensar bem de si própria, com hortas biológicas e merdas que tais, apesar de usar adubos oriundos dos venenos do mundo. Os professores não se viraram para os alunos da primária advogando igualdade restrita. «-A uma menina não se bate nem a uma flor.» A associação de palavras, menina, flor, como se a fêmea fosse o pináculo da criação, claro que tudo o resto é a merda, os condenados da vida. Ser homem, branco e não elegível equivale a limpar da pool genética, o direito à ilusão da procriação e da imortalidade. Claro que soa bem, proteger as pequenitas. Até nós sabemos que sim, programados por 100 000 anos de antropogénese em que o útero é o esófago cuspidor de vida que devemos proteger, mas mano, olha em volta. Já não exigem protecção, mas total subserviência. Sabes quem ganhou a guerra, quando sequer declarar derrota é crime. O homem é um cabrão, se mentir, enganar e atropelar sentimentos. A mulher não tem defeitos. Lida com isso. E encaixa que os maiores cabrões são os outros homens, os conas moles, que são usados como parideiras de notas de euros. Conheci alguns, que as mulheres deles manipulavam bem, fazendo-os sentir vencedores, na vida, eh pah, detentores de acesso a um útero. As amizades entre homens duram aquilo que o tempo de codependência determinar. Curioso como podes começar uma sessão de porrada com um gajo, só porque os vossos olhares coincidiram durante mais do que 50 segundos, mas quando ela te larga e encorna, a culpa é do gajo que se aproveitou da falta de carácter dela. Em vez de a limpares da tua memória, passas a odiar aquele que te fez o favor de tirar uma imbecil da tua vida. Ah…tanta amargura. Quem te magoou? Tiveste más experiências. Vai para o real caralho que te foda. Mano, escuta, não te enganes com elas, e muito menos com eles. A tua tarefa é espiritual e apenas contigo mesmo. Se algum dia te sentires vencedor com dois pirralhos ao colo, não te esqueças do momento em que te encontras agora. Assim no meio do tórax, eu sentia um fervilhar de inquietação, ao lembrar as razões da minha ira. Continuamente me pergunto, que ganho eu em devolver ao mundo o ruído da minha indignação, apenas para o ver sorrindo com aquele esgar cínico de saber que me esmaga e vence em todos os rectângulos do jogo. Ah filho da puta. Mas a erupção interior não amaina, como cresce, ganho com ela, sinto-me injustiçado e isso me dá uma vitória moral. Uma mão fria me vira o rosto, arrastando-o dolorosamente do encadeamento de ideias e rememorações acerca do passado e das minhas teorias. O sotaque eslavo carregado, aplicado docemente perto do meu tímpano, «-Então João não pensar tanto rugas no testa.» Olho para ela, bloqueando o hipnótico strobe de uma discoteca em Cracóvia, onde nos encontrámos, imagine-se, para debater fontes sobre a expansão portuguesa. Loura, vestida de preto e com sapatos vermelhos bem altos, que a tornavam mais alta que eu. Olhar para ela com dois copos de gin tónico na mão, foi como se tivesse acordado de uma noite longa de sono e sonhos incompreensíveis. Demora a adaptar. A ira dissipou-se e esforcei-me por não passar a esta a merda que as outras me fizeram a mim. Deixa-me lá ver se tenho carácter. Tento. O seu vestido preto, e pálpebras pintadas de azul, lembraram-me que eu ainda não havia morrido. Até lá, cerveja livros e loiras são a missão. Abri as pernas para a deixar passar e antes que se sentasse já lhe havia tirado o copo da mão, trocado a mão do copo e assentado a mão na sua perna. Ela olhou directamente para meus olhos, apesar de eu estar de perfil, e vi que me julgava ébrio, contudo não protestou. Pediu-me para falar em português, e eu achei que fosse por ser exótico naquela latitude europeia. Comecei a falar, repetindo as merdas que agora te contei. Ao ver a paixão nos meus olhos, os trejeitos e as minhas expressões, riu-se e chegou sua cara perto da minha. Olhou para baixo, para um âmago imaginário no centro de massa do planeta Terra. A sua expiração começou a deixar-me cego e ofegante. O veludo da poltrona alargada parecia convidar imersão no vermelho. Antes que desse por mim, já nossas bocas se anulavam à vez, e a sua nuca na minha mão era apertada na exacta medida em que as suas pernas me apertavam na cintura, com espasmos indicando à distância, a necessidade de retorno a uma cama de hotel.
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