Acto 0 – Intro
Aquele que tem fome não será alimentado. Este poderia ser um aforismo em um qualquer livro sagrado de uma qualquer religião. É de rir como louco, se pensar que a fria e ponderada razão é determinada por um cortex de mamífero. Por mais que percebas o processo, entendas a sua razão e tenhas a disciplina, quando o desespero te toma com toda a força do seu abraço, vais cometer exactamente os mesmos erros que sabes, conheces e cometeste no passado. Nós sapiens sapiens reconhecemo-nos uns aos outros a partir da expressão de um espectro relativamente determinado de emoções. A individuação é que fode a pintura toda. Joana, neste momento está a perguntar-se que raio é isto e como veio aqui parar. Presente nesta galeria de ninfas de Natais passados, quando nem sequer um momento de cumplicidade na mesma divisão, partilhámos. Joana é moça batida, não pela quilometragem, mas pela familiaridade com a dolorosa tarefa de ter que lidar com as suas dores e desilusões. Optou, algures pelo trajecto, adoptar a religião do +, coisa curiosa numa materialista dialéctica. Mas é o Zeitgeist e passar pela galeria de recuerdos dela, mostra uma afinidade com o seu tempo, sob a capa de que só se vive o tempo em que estamos vivos e que a alma e a eternidade são caprichos de quem não sabe viver. É assim que vemos os Converse da moda, o cabedal ostensivo, a cosmética sem defeito, as poses que revelam sensibilidade artística, os textos que parecem indiciar uma alma surpresa de existir em ameaços de introspecção. Pese embora os laikes dos friends para quem se destinam as confissões medianamente ornadas com corrente linguagem. Precisei de Joana como um náufrago precisa de uma bóia e como uma montra precisa de um manequim.O meu cerebrelo onde reside o macaquinho interior que não cessa de tagarelar e conspirar para proteger o Ego frágil, não se cala por um momento, girando como parafuso sem fim lacerando sem tréguas este terreno de carne já desfeito por bombas mal cicatrizadas. A presença de Joana por estes lados advém da impressão que exerceu na minha mente fragilizada e na minha necessidade de a reificar de forma a distrair a filha da puta da voz interior que não se cala por um cabrão de um momento. O Inferno não arde com demónios em pés de bode.O Inferno é a presença do dâimone dentro da caixa craniana não se calando revendo todos os ângulos, conspirando acções de vingança e epopeias de desprezo. Desde cedo que o meu melhor factor de motivação, ergo de distracção, é a vulva e o que a rodeia.Sou um gajo telúrico, admito e orgulho-me. Os que me chamam básico chafurdam no pó de arroz social. Não há nada de básico em querer ir sempre ao coração das coisas, e queria eu descobrir que coração esta Joana tinha. Joana, eu precisava de usar-te para me distrair.Tomei-te como manequim opaco pintado de esmalte branco, sem expressão, a quem visto com as roupas que vou inventando. Tive mesmo de me entregar a falsificar moeda falsa sob pena de sucumbir à depressão que decorre de ter sido assassinado por fogo amigo. Mas como tu, que vezes sem conta e outrora, renasceste das cinzas eu sempre sei que sou indestrutível.Vergo e vergo bem, mas nunca quebro. Não foi apenas o teu rosto bonito e a minha necessidade de ponto de fuga que me chamou a atenção. A quantidade de aparentes contradições que se podem testemunhar numa leitura a frio são interessantes. Até porque como missionária do + e de tudo o que o neurolinguismo tem para oferecer junto com aspirinas, o teu perfil de Facebook é altamente trollável. Logo aí revelaste inteligência ou resguardo. Desconhecendo o artista só podias ser cautelosa tendo em conta os olhos e dedos que fazem do teu perfil de rede social uma casa de família e amigos. E como eu consigo borrar essa pintura de positividade, esse fresco de optimismo abnegado que elaboraste a partir do zero absoluto, como catedral da sedução para a vida. Alguma vez permitirias que um tipo cáustico, ácido até fosse mijar na tua parada?Jamais. Essa cautela granjeou-te respeito da minha parte ao mesmo tempo que ressentimento.Não contribuiste em nada para que eu fosse o deus do teu culto. Ainda bem que o fizeste pois pariste este texto apenas por provocar despeito. Sabes, é que a tua vontade não é tida nem achada no mundo que é meu, e no qual és apenas uma personagem que fui buscar para nele entrar.A tua vontade só controla a tua realidade física, e a tua interpretação do mundo. O aparente desprendimento que tens quando pensas que o que os outros pensam de ti é irrelevante, mais a mais quando como anónimos, parece não fazer-te aquecer ou arrefecer. Ora como qualquer actriz de lupanário sabe, a iconaclastia pornográfica cria esta dicotomia entre uma imagem que faz parte de nós mas não nos diz respeito. Eu troco por miúdos. Joana=A Λ Joana=nA, ou Joana=A,B,C,D,∞. És a soma de um grupo indeterminado de atributos, bem como de todos aqueles que não pertencem a esse grupo. Joana é Joana porque é alentejana.Eis um atributo.Joana é Joana porque não é uma cenoura.Eis outro atributo negado que faz parte da tua individuação de forma tão válida como um atributo que seja afirmado. Portanto a minha versão daquilo que és, é mais um atributo na tua definição, que coincide em alguns pontos e diverge noutros.Felizmente costumo ter bom olho para a coisa. Bem sei que é para o lado que dormes melhor. Lancei uma espécie de Cassini para sondar a tua existência, sou a parte activa, inclinada, movente, viva. És a natureza morta expressa na tela, apática, desinteressada, passiva, acomodada na corrosão da conformidade que escolheste para ti. E o que se tornará um dia insondável para ti, é que um estranho um dia versou sobre ti, as tais ‘presunções e pressupostos’ que falaste e nada podes fazer sobre isso a não ser projectar do teu lado, presunções e pressupostos acerca da fonte, eu, interpretante. Ah ele é maluco, ou é um tolinho, são normalmente as mais usadas nestes casos. Se a realidade é uma interpretação, qualquer perspectiva é válida e portanto todas são presunções e pressupostos. Esta fineza de análise de conceitos é uma das poucas belezas que não te assiste. Vales mais pelo âmago intencional, o Gemüt, que pela potência de análise que requer mais crucificações e força. Mas estás bem tonificada para iniciada. Conseguiste comover-me em alguns trechos de textos teus que li. E apesar de serem tão intencionais como os Converse. E de serem tão dificeis de encontrar no meio de tanta citação avulsa. Precisas tanto de autoridade externa para dar credibilidade à tua vida interior? Não corras a contar às amigas que és tão boa que um estranho escreveu um longo texto sobre os teus encantos, como te disse, estou a usar-te. És a cenoura, agora de facto, que coloco à frente da boca enquanto trago à luz este lastro afogado em 10 anos de mediania suicida. Não me vais poder citar para mostrar aos amigos que tens uma alma culta e sofisticada.Podes parar por aqui portanto. Não moas a tua leve paciência em missões sem interesse. O teu mundo em nada coincide com o meu. As nossas intenções divergem, e o planeta em que vivemos orbita com dois movimentos contrários de rotação, um na metade em que existo, outro na metade em que tu existes. Vai ser feliz e ocupada.Independentemente do que já aprendeste, foste de novo usada. Precisamente por um underdog alvo do teu desprezo sistemático. Nenhuma sonda tua recebi, apenas a certeza de que nem estava no mesmo sistema solar que tu. O silogismo por detrás da transmutação do sofrimento em arte, aplica-se aqui, aquele que desqualificaste com uma total falta de empatia e alma venturosa, pegou na tua vulgaridade (de presunções e pressupostos) e usou-a como inspiração para trazer do Nada um texto. O texto não é sobre ti.É sobre mim. Como quando numa cópula eu me olho no espelho do guarda-fatos do teu quarto. Torno-me actor neste teatro do mundo, e observo-me nele, já que nunca poderia contar com a tua presença. Mas, escrever faz lembrar-me de ti com mais força.Pergunto-me se esta catarse não visa continuar o que nunca acabámos.Como quem dá um beijo a outrém que vira a cara com o nojo do enfado e a falta de coragem da frontalidade. Mas é esse o teu papel de manequim, apalpado e manipulado por mim.Vestido e despido como quero. Mas lembras quando estivemos juntos.Agora. Nem que só tenhas lido a menor parte, eu estive dentro de ti. Tão válido como um falo que penetra ou uma ideia que te viola.Eu estive em ti contra a tua vontade, usando-te à minha. Através de riscos e segmentos de recta, rasguei todas as fronteiras que presumiste erguer.Nem que só tenhas lido o título, algo oriundo de mim foi directo ao teu centro de existência. A tua consciência. Para quem é tão anal no controlo de limites, na ordenação do que é aceitável, batido ou desejável, deve ser chato admitir o poder de umas linhas que nos entram pelos olhos, não sem umas malandrices literárias pelo caminho. Mas esse é o meu papel e a minha estratégia, fazer-te apaixonar por linhas negras como os teus cabelos. Sem ponto de fuga para nós, afinal estou de partida para outra latitude. De forma totalmente desinteressada fui direito ao centro do que és como indivíduo numa opereta patética escondida num recanto escondido na galáxia da Internet, e que daqui a alguns anos será apenas visível numa data marginal num blogue. E no entanto nunca estivemos ou estarás tão junta a uma pergunta pelo real que és. E isso foi eu o único que perguntei. Já podes ir contar às tuas amigas.
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