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Carta ao meu amor (in)possível

16/7/2019

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I
Observo as glaciações, esta mais recente após Würm, esperando por períodos de degelo que abalem qualquer decisão tomada por força de determinação aleatória que não me seja favorável.
Sei disso e por isso não te chateio tanto. Que leves a vida com a autodeterminação que lhe está inerente.
Sabia que o muro esperado não iria ser este, e sabia também que qualquer coisa análoga iria acontecer. Foste para a terra da revolução e antecipaste uma revolução por ti própria, claro que mantendo uma cordialidade que te protegesse, e a mim também.
Curioso pores-me à distância para protegeres ambos.
Por um lado fico curioso pela capacidade de resistência de algo que não foi decidido por ti ou por mim, e por outro lado apreensivo pela capacidade da tua determinação em conseguir com a tua distância e silêncio congelar o Sol.
A disposições de expressão sentimentais minhas, que não exigem resposta, o laconismo de um emoji, ou um desviar de assunto, como que se quisesses enterrar um assunto sob as camadas de terra da tua vontade.
Ou condicionar-me a um nível de convivência determinado pela tua decisão.
Eu vejo. Eu vejo-te. Todos os dias.
A toda a hora. Fecho os olhos e estás lá.
Não tenho como não te ver.



II
Imagino um futuro próximo em que te vou cobrar o porquê de tanta resistência.
Não pode, claro que não, ser apenas um fortíssimo instinto de sobrevivência.
A não ser que seja da alma. É isso. Estás a lutar pela tua alma e não só pelo teu estilo de vida e investimento emocional.
Não posso ser eu. Por onde quer que olhe não me soa bem. Mas posso ser eu.
Ser um rasgo tal na tua existência, que tens medo de perder o que tanto tempo te deu a ilusão de conquistar, tu mesma.
Como se a caravela de Bartolomeu, após dobrar o cabo das Tormentas, não tivesse acesso a outros mares por navegar e às riquezas de outro mundo. Para lá do cabo estava a riqueza que procuravas.
Soa a determinação a alguns, à coisa mais adulta. Quantos pecados se cometeram pela determinação?
Por fuga ao suposto caos, por medo de sair do cais.
Não te quero fazer mudar de ideias. Não se convence ninguém a gostar de nós.
Quando muito, pedir-te que não me mates em ti. Se em ti nada há de mim, diz-me e desapareço em conjunto com a vergonha da minha presunção.
Imagino um futuro próximo em que a minha vontade contrariada de ter-te toda e ter-te já se alivia dizendo «-O tempo que nos fizemos perder, nunca mais.».
Nunca nenhuma crença alheia me causou tanta revolta com a tua, de que não tenho lugar para o lugar que eu quero na tua vida.
E bem lembro as histórias dos que queriam à viva força da sua vontade que a tua recíproca fosse.
Mas não quero que a tua vontade seja como eu quero, quero que à minha seja permitido ser como quer pela tua vontade. Se algo de mim te infectou a higiene interna, deixa crescer a colónia de micróbios e vogar livres os protozoários. Penso que é isso que andas a tentar silenciar.
 
Colocas-te de quarentena para ver se o mal passa ou o arrancas pela raíz. Como se amputado de ti o melhor para a minha saúde fosse ficar privado de ti, ou pior, se me sentisse tratado como doente por ti.
 
Nenhum de nós pode dar o exemplo ao outro.
Apenas paciência a cada um de si.


 
III
Esse eu que matas dentro de ti.
Se existe, e eu sei que sim, também sou eu.
Se o matas é a mim que matas também.
 
Eu sou incapaz de te matar, mesmo que isso me mate a mim.
Por isso te escrevo. Desde que te conheci.
 
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