Há uns 15, 20 anos atrás, facilmente chorava por pensar sobre a beleza do mundo.
Agora acontece o mesmo, mas só pensar sobre o seu carácter trágico. A mesma resposta emocional, a uma alteração de mundividência. E nestas coisas, como é abençoado o ignorante. Tinha ido com a Francine ver o último filme de dinossauros. Nã nã, prefiro filmes de ficção científica, mas como esta gaulesa se tem portado bem, não regateando sexo oral, e fingindo além do que é necessário, desejo genuíno, recompenso-a, como a um cão, com uma guloseima. A experiência de namoro, com pipocas, mãos dadas e tudo. Experiência em que já não acredito, porque sei que nós, animais relativamente complexos, temos agendas próprias além da consciência, e portanto, os amores duram enquanto ambos os lados têm algo a ganhar com o outro. É o que é, e só me custou deixar morrer o romantismo, que sob certo ponto de vista não passa de uma mentalidade de carência. Tal como Cristo, a partir do momento em que me libertei da necessidade da cona, apaixonei-me pela vida e deixei de ter um objectivo. Restavam-me as memórias dos meus estados de espírito passados. Ruiva como só ela consegue ser, Francine traz pipocas e coca cola, sorridente como só uma gestora de HR de uma multinacional pode ser. Não queria vir para aqui, mas apaixonou-se por Lisboa, e passa metade do ano com dificuldades em respirar por causa do calor. Onde vou com ela, seja dia ou noite, os autóctones viram as cabeças, alheios à minha presença que marca posse, quem sabe se por causa do vermelho vivo natural dos cabelos, e não pintados, para o mesmo efeito de captar atenção e disfarçar o grisalho, como acontecia no caso da Sónia. Às vezes dava-me para rir, certa vez tive que encostar as costas da mão no peito de um, que quase me atropelou para meter conversa com ela. Nem foi pela tentativa, foi por quase me ter pisado. Mirou-me de alto abaixo e leu mal a capa do livro. Só quando lhe esmaguei duas falanges da mão que discretamente lhe capturara, é que o gajo caiu em si, e percebeu que existem, ainda, limites, e comportamentos inaceitáveis em sociedade. Podia ter-lhe partido a mão, bem como podia ter levado um tiro na têmpora. Eu não sabia com quem me estava a meter. Mas antes ir para casa morto, que alguma vez a sentir-me cobarde. Não estranhamente, Francine ficou toda molhada, e não descansou enquanto não fodemos num lance de escadas em Marvila. Estava eu a roer uma pipoca não abortada, quando o Raimundo, colega de há longos anos, da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Lisboa, me cumprimenta. Efusividade, recordação dos bons velhos tempos, actualização da nossa vida para outros, é pá então não vais dar aulas, epá não, fartei-me dessa merda, etc. Apresentei-lhe Francine, e fomos todos às nossa vidas. Depois de a deixar na Estrela, vim para casa a pensar nesta vertente da minha vida, de professor, e se não devia voltar a leccionar. Não tinha paciência para a vida de merda dos professores de secundário, mas por outro lado gostava de transmitir o meu fascínio pela Filosofia e História, à malta mais nova, ainda que tivesse que lutar contra marés hormonais, para as quais não tenho a mínima paciência. Além de que as minhas colegas, eram na maioria ou mal casadas ou solteironas à espera de fodanga. Essa era a minha maior motivação, meter professoras vestir de enfermeiras a gritar com orgasmo. Fiz uma nota mental para considerar seriamente o assunto. Entretanto ligam-me da Prosegur, que um colega tinha metido baixa, que precisavam de mim para ontem. Eu já me esquecera que era ‘efectivo’ na Prosegur. Não lhes entregara o registo criminal, para evitar que me chamassem, pois estava a estudar e a elaborar a tese de mestrado. Parece que quando o cu está apertado a legislação se torna acessória. Precisamos de ti na rub n’ bear dos Olivais. Ok, lá estarei, foda-se. Nessa loja de roupa, ia metendo conversa com as africanas da limpeza e com as repositoras, sondando como serial killer, a recepção para com avanços de um gajo barrigudo próximos dos 50. Apenas uma, a Cláudia Silva, me dava troco, mas não por me ver como ser sexual. Gostava que as colegas a vissem como ser social bem-sucedido, o que implicava falar com toda a gente, incluindo com o segurança. No seu microcosmos de hierarquias, eu era um adereço, que seria fácil tornear, mas para o qual nem eu acreditava na minha satisfação se me envolvesse com ela, pois por instinto já aprendi que depois do orgasmo o silêncio ruidoso de não ter nada a ver, é pior do que bater uma punheta. De modo que brincávamos os dois um com o outro, ela a ver se me tirava do sério, de forma a cometer actos visíveis do meu desejo, e assim subir ela na consideração das colegas, e eu, a ver se ela se abria mais comigo, amaciando-a e tornando-me parte da sua vida até ao ponto em que nos confundiria a ambos. Infelizmente, era o penúltimo dia ali, e todo o esforço se diluiria pelos meses futuros, mas ao menos tinha-me animado nas tardes monótonas de Julho a Agosto. Numa delas, quando saio de serviço, deparo-me com Raimundo, que após as confissões de morar perto, me olhou de alto a baixo e expressou felicidades futuras e foi à sua vida. Fui para casa a pensar de novo, cagar para esta merda toda, e ir dar aulas. Sei que não é a melhor altura para pensar nisso, após um turno de 11 horas onde levamos com imbecis que não querem desinfectar as mãos, ou com mentecaptos que não querem esperar numa fila decorrente da limitação do número de clientes dentro de uma loja. Tento demover-me, nas tréguas de um semáforo, lembrando a paciência necessária para aturar encarregados de educação. Do que me levou a esbofetear um, que achando que eu era um funcionário público, me veio gritar demasiado próximo da cara. Amigo, você é um tirano para o miúdo e é por isso que ele não levanta a nota. Não gostou, e achou que estava a falar com uma dondoca de germanísticas. Após 3 avisos para que não se aproximasse, a bofetada projectou-o por cima de 2 secretárias da C+S. Quando se levantou avisei-o de que à próxima, a mão estaria fechada. Avisei todos os outros de que na minha presença nenhum professor seria agredido ou desrespeitado. Apesar de tantas testemunhas e do carácter de autodefesa, no dia seguinte fui dispensado da escola. Voltei à actividade que me pagara as propinas. Bem, esqueci o assunto e enterrei-me na cama até ser meia-noite e as dores nas pernas terem sido apaziguadas. Meia hora depois liga-me Francine. Bem pensado, meia-noite de foda era o ideal para me libertar a tensão. Combinámos a minha ida depois do jantar, ao que ela me confidenciou que Raimundo lhe pedira amizade no Facebook, o que só podia ter acontecido por ser meu amigo no Facebook. Disse-me não me leves a mal, mas eu vou-te mandar um printscreen do que ele me disse. Olá. Que coisa estranha. A solenidade na voz dela, deixava-me alerta. Ao ler, via que após ela o ter aceite, ele iniciara logo com um olá, como estás vamos tomar café. Neste ponto eu já seguia pela estrada para passar a noite com ela, e ali no Poço do Bispo, parei para cogitar melhor sobre o assunto. Um gajo que me conhece, que me vê com ela, que vendo os posts dela, me vê identificado no teleférico da Expo, no Cristo-Rei, na Torre de Belém, etc., sabe perfeitamente que a miúda está ‘tomada’. O meu ego diz-me que é uma questão de desrespeito pessoal. Mas eu sei que não é. O ego faz só o papel de familiar tosco, que evita por todos os meios que eu saia magoado do quer que seja. Algo de mais sinistro é expresso pela minha intuição. O grau de solidão de um homem levado a ver como viável, tal opção. O desespero de abordar o que parece a mulher de outro, como forma de aliviar a própria falta de alguém. O Raimundo não é um engatatão. Não é claramente um mulherengo com sucesso. Mas é alguém há demasiado tempo, só. O tempo sem ponto de fuga de uma relação, queimou-lhe o fusível. O meu ego diz-me que ao analisar-me com farda de vigilante, o Raimundo achou que mudaria a mente da portadora de vulva, pelo facto de ele ter um emprego socialmente mais valorizado. A mundividência dele é que as mulheres apenas apreciam os providers, isto é, que ao maior licitador, vai a cona por correio expresso. Tive pena por ele, por saber do seu erro de análise, e por saber que apesar de dar aulas, continua a masturbar-se à grande e à francesa, pun intended. Lembro-me, dos meus gloriosos tempos de C+S, dos professores que todos sabíamos, darem uma voltinha com os alunos. A minha professora de alemão, manteve durante anos uma relação com um aluno que o marido não conhecia pessoalmente. Eu próprio estive na casa dela, e optei por não lhe dar a minha opinião sobre os usos da língua portuguesa. Ninguém se queixava desta merda, que hoje é justamente – de alguma forma – censurável. Embora tudo fosse de comum acordo. Raimundo não comia as colegas nem as alunas, emparedado entre o dever e um feitio ineficaz. Só uma vez encornei, de plena consciência, outro gajo. Convenci-me a mim mesmo, por falta de foda, da necessidade de quebrar as minhas próprias regras. E portanto sei, conheço o Inferno de Raimundo. Valha-me o cafoné de Francine. Senão chorava.
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