O sinal de mensagem de whatsapp não parava de me infernizar os tímpanos.
Desde que a conhecera, que me perseguia sem descanso. Os meus amigos e algumas amigas, tentavam convencer-me da nobreza e veracidade dos seus sentimentos. E eu sabia, que sempre que no passado, deixava o meu julgamento de lado, fosse por adoptar perspectivas externas, fosse por me convencer a mim mesmo que era o vínculo emocional e não a tesão que me orientava, ou que cada nova pessoa merece uma nova oportunidade, me dava mal. É mercado da carne, não caridade. É um conjunto de gente que visa captar energia e validação de outros, ou ideias, dinheiro, formas de enganar a solidão, e a minha preferida, forma de me distrair do eterno seco e áspero nada da existência. Por isso me lançava de corpo e alma nos braços de qualquer mulher de modo a desenvolver uma relação, mero placebo de sentido para a vida, mesmo que a gaja, enquanto pessoa fosse decente, o que é raro. Também não sou flor que se cheire, usando assim as pessoas no seu próprio jogo para fingir que esta merda toda faz algum sentido. Mas mais que usar o outro, infernizo-me a mim mesmo, como se uma gaja qualquer bastasse desde que me desse tesão, e quantas não o fazendo, não me forcei a privar intimamente, só para uns segundos de endorfina que me faz sentir bem e tem menos efeitos adversos que um qualquer psicotrópico. A cópula parecia o móbil, mas não, é o sentimento de paixão com a menina que todos os pais gostariam com que os filhos casassem, bonita, bem-comportada e gentil. Nisso até te posso dizer que tive sorte, conheci cachopas de boa índole, apesar de serem cachopas na mesma. Não é culpa delas. Alto lá que tento ser justo e não alijar a minha responsabilidade. Sou totalmente responsável pela minha menorização, ergo, pelo abandono. E o pior nem é descobrir que acreditei teimosamente, nas premissas erradas. Não, o pior é mesmo o perceber que achava ser mais esperto que o que sou. Não é o acreditar no amor Disney, e na existência do amor na mulher que não te consegue respeitar porque tu próprio não te respeitas. É o ressentimento com a minha própria teimosia, em não querer largar o ideal cavalheiresco de amor, porque só um novo amor no final desse arco iris, com essas cores, será paliativo suficiente para uma visão do mundo árida como a própria morte. Minto-me a mim mesmo, para manipular outros, para fingir que não vejo o abismo. Para fugir. João, não vês que ela fica toda contente ao pé de ti, que não perde uma ocasião para vir ter connosco, diz-me um amigo aqui e acolá, quando ela se faz convidada para as jogatanas de jogos de computador dos anos 80 que servem de desculpa para um grupo de velhos amigos se reunir. Os mais submissos levam as mulheres, e noto que as mais controladoras já começaram a espalhar veneno por causa de mim, o único solteiro do grupo. Isolando-os, primeiro, depois com uma frase ou outra, lacónica, vil, sobre mim. Aferindo o grau de aceitação deles, se me respeitando eles lhes respondem com um olhá lá estás a falar do meu amigo, ele não é assim, portanto não falas dele dessa maneira. Torneando com uma ou duas noites de sexo com desejo fingido, de modo a que ele saia com um sorriso nos lábios, e ao pequeno-almoço largando uma alfinetada, «-Esta foi a cerveja que o João trouxe?» com tom censório de molde a censurar ter comprado a mais barata do Lidl, que isso não é significado de verdadeira amizade, poupar qualidade para os amigos. Epá sabes que o gajo anda sempre sem trocos, ora gastando em roupa de neoprene ora reparando os carros velhos. A pouco e pouco, os tipos condenados a trabalhar além das aspirações iniciais que partilhávamos na adolescência, porque senão a gaja marcha, vão interiorizando esta forma de pensar e colocando uma amizade em análise. Vão-se confortando com a ideia de que as amizades passam porque as pessoas mudam, e a fêmea é para sempre. Quando é ela que se vai embora, no final do trabalho de sapa, nem amigos nem o prémio da existência, o útero bonito que lhes dava a eles, a sensação de serem vencedores na vida, afinal haviam conseguido convencer a deusa a permanecer com eles. Os outros, ah os outros, estão condenados a limpar da memória o seu código genético, o darwinismo social assim o determinando, e é tão bom sentirmo-nos vencedores. O único gajo ainda relativamente livre e com capacidade de se entregar à procura desinteressada pelo fundamento da existência, é gradualmente afastado ou relativizado, com a ideia de que o homem adulto apenas o é quando está numa relação em que assume a responsabilidade de merecer o que tem, por via do sacrifício diário. Gradualmente interioriza esta dependência, e passa a entrar na ideologia trocada nas mesas redondas dos jantares em que as peripécias de merda da vida de casado são partilhadas como segredos existenciais por todos que se envolvidos veem em charadas análogas. Até os mais orgulhosos acabam por cair no ritmo de mandar memes ou vídeos com gajos espancados pelas mulheres, pois a mulher está sempre certa e qualquer defeito nela é charme pessoal e não disfunção. Como caranguejos que me puxam para o balde, cedem à manipulação daquela que me bombardeia com amor, termo chique que visa algo velho, o acto de tentar convencer o outro das nossas intenções e sentimentos, por via de uma exposição exagerada dos mesmos, é um acto que visa o convencimento, portanto, manipulação. Visa que o alvo aceda e se convença a si mesmo das boas intenções, baixando a guarda, cedendo por fim. Ganhando a manipulação, que sai no final, vitoriosa, por mais uma porta escancarada. É mentir, mas mulher não mente porque tem bons sentimentos. Talvez até se convença a ela mesma que o que faz é por bons motivos. Num bar à beira do rio, com este calor que se vai desapertando, ela chega de smart e faz questão de me beijar de forma ostensiva, fingindo um elo que os poucos dias de convivência não permitem. Visa condicionar-me jogando com o meu orgulho masculino, certa de que os outros comentarão comigo o caso, associando-a a bons sentimentos de orgulho, e quem sabe, ganhando por essa via, o coração dos espectadores, que gostando de mim, gostarão dela se acharem que ela gosta de mim. Tanto gostar deixa-me à beira da náusea. Não consigo não ver os olhos de primata por detrás de qualquer expressão individual. Fico calado e perdido na sombria ruminação sobre o que realmente fujo afinal, na vida, da vida. Que monstro é esse que desde sempre me faz correr e enganar a mim mesmo? Será que me deixo ir na conversa dos outros primatas que como eu se entretêm para longe do vazio e do absurdo, com o quer que venha à mão? As mulheres dos meus amigos apenas sabiam reincidir no convencer que ela era boa rapariga e que eu devia pensar em algo mais sério. Que o tempo não parando me deixa para trás. No fundo sabendo que, com este jeito de inadequado bucólico, está alguém que rejeita qualquer tipo de submissão e contentamento com o que não seja que realmente quero, excepto na estupidez de me repetir em relações que me distraiam para não ver o papão. O que se torna duplamente perigoso por perigo de contágio para os animais domesticados com quem partilham uma casa. Esta cai em todos os comportamentos que tenho tipificado ao longo dos tempos, love bombing, envia-me fotos dela nua sem que eu o solicite, de forma a poder gabar-lhe o corpo, e assim ela ficar com o biscoito. Como eu não a gabo, vou-me tornando num desafio maior, ao que ela procura mais desesperadamente a minha validação, não porque tenha alguma consideração por mim, mas exactamente pelo contrário, achando-me um parolo, sente que sou o mínimo exigível em que exerce a sua capacidade de gerar desejo. Sei que assim que lhe faculte um elogio, sai do radar sem qualquer tipo de satisfação, satisfeita por saber que ainda seduz, e porque a ideia inicial de mim, um anónimo que por educação responde sempre às mensagens (por ela interpretado como rebarba pura e dura) se vê assim confirmada, confirmando a mítica intuição feminina. Em mais uma sessão de Pacman, na parte da troca final de impressões antes de cada um rumar a casa, a mais cínica do grupo, a Salete, matrona calculista e manipuladora exímia, com aquele jeito a brincar que nada tem de brincadeira, volta-se para mim e exorta-me a assentar arraiais. Recusando-me, apenas com um sorriso e abanar de cabeça, ela insiste, despeitada com a relatividade com que tratei da sua ideia. Que já não tenho idade para os planos infantis de mergulhar em todos os mares do mundo, que me devia dedicar a ter uma carreira na vida, sólida, a assumir responsabilidades. E volta a mencionar a tipa do whatsapp, que parece gostar mesmo de mim, e que se não mostro alguma responsabilidade ela partirá para outro. Rindo-me, digo de novo, que não faz mal. Que vá. Assim, nada tens a oferecer João. Respondo, elas também não. Vive na casa dos pais e só assim tem dinheiro para a cosmética, roupa e bijuteria, para o ginásio. Que exigir que eu dê um passo nesse sentido é hipócrita se não fizer o mesmo. E não o fazem, porque em algum canto do seu espírito avaliam que conseguem arranjar melhor que eu. Além de que sendo bonita, tem o problema de todas as mulheres bonitas, acham sempre que conseguem arranjar melhor. Vão trocando, como se fosse exercício de liberdade, até ficarem apenas com um gato, quando já ninguém digno conseguem atrair. Portanto, sou a última pessoa a ralar-se em captar o outro, quando sei que estamos sempre a prazo. Também elas precisando fugir ao vazio, pela rotação sistemática de amores. Mensagem no whatsapp. Para ir a casa dela, quer passar a noite comigo. Está certo, estou perto e vou. Até porque a longa viagem a casa, vai pela noite fresca.
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