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Mortos Vivos I

11/11/2020

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No ano do desconfinamento em estado de emergência do nosso Senhor, encontrando-me eu numa sessão de coitus a tergo com a Noémia, que me havia convidado para pernoitar no seu quarto de residência universitária, olhava a parede onde a minha sombra aparecia reflectida pela luz das velas.


Aparentemente, em tempos de pandemia é quando há mais interrupções do fornecimento de electricidade e água.


Como se de cerâmica grega se tratasse, mexo a anca como titereiro, divertido com as sombras na parede a preto e creme.


Meto a mão na minha cintura e imito filme porno visto na adolescência, «Rocky X», onde no ringue, o actor com beiça à bico de pato, coloca a mão na cintura enquanto olha a regueifa da actriz, passando para o ecrã, alguma da luxúria que experiencia no momento.


Noémia coitada, bem morde a almofada, suada sob o edredão, com a mão direita agarrando a minha mão direita, completamente submissa e entregue às maldades que lhe faço na cama. Por isso merece um monumental abraço, e afagos cafoné no cabelo e rosto, quando ejaculando encarquilho que nem folha seca de Outubro em torno do seu torso.


Toca o telemóvel anunciando o ‘Hino à alegria’ do grande Ludwig Van.


Como pousado na mesa de cabeceira, atendo,era Filipa.
Desligo.


Pergunto a Noémia, que tens que se beba?


«-Há ali uma garrafa de Jameson, da minha colega de quarto que foi à Guarda.»


Bebo da garrafa. Não porque Filipa seja um fantasma passado que evoque memórias ou erros, mas porque o contraste entre uma gaja batida, falsa, decadente, e manipuladora, e uma miúda pura, simples e carinhosa, se evidencia de tal forma que preciso de coragem líquida para cogitar sobre o contraste.
 


Os gajos que já passaram pela mesma situação entenderão. A vida radiante e positiva de uma juventude que rejuvenesce, e a sombra de ruínas decadentes, não é algo de fácil encaixe.


Tenho de deixar de beber. Está a tornar-se demasiado recorrente para meu gosto. Lol.


Eu, o pinga amor, que procura sempre de novo uma prisão de endorfina amorosa para se anestesiar, a cagar sentenças morais sobre o vício do álcool.
 
Toca o telefone de novo.


Arrefoda-se.

«-Que queres?»

«-Olá João, estás bem?»

«-Estou, que queres?»

«-Não precisas de ser tão bruto, se quiseres posso ligar noutra altura.»

O bluff não surtiu efeito, pois desligo-lhe a chamada na cara, e passados 30 segundos, volta a ligar.

«-Preciso de falar contigo.»

Beijo Noémia no canto da boca, e digo que já volto.

Saio para a varanda da residência em frente às oficinas da Imprensa Nacional Casa da Moeda, perto do Rato.

«-Fala.»

«-Não, pessoalmente. Marcamos…»

«-Nada. Marcamos nada, não quero perder tempo. Falas ao telefone e é se quiseres.»

«-Mas que te fiz eu, para me tratares assim?»

O mesmo expediente emocional visando uma vitimização e anulando a justa indignação da contraparte.

A mesma manipulação inata e pacóvia de alguém complexado saído das serras interiores, que acha que tem de correr atrás de um algo que a torne igual ou melhor do que aqueles que a sua provinciana cabeça considera ‘sofisticados’.


«-Não me faças rir. Tens uma distinta lata de dizer isso. Compreendo agora porque hostilizas e pintas a má luz, os envolvimentos passados, não é só para lixiviar as tuas escolhas, é para justifica-las, porque te parecem erradas no momento presente em que não és feliz. Não é só um lamento pelo ido poder sexual, é uma manobra que te permite viver contigo própria.»


«-O quê? Mas de onde vem isto?» - sob o timbre da voz que fingia perfeita indignação, vinha um outro que admitia ter sido descoberto, mas que ao mesmo tempo não podia algum braço dar a torcer sob que circunstâncias fossem.


«-Repara, dei-te o melhor do meu mundo, que convenhamos, é o único que interessa na minha realidade. Levei-te ao maior cemitério subaquático da Europa, tratei-te como toda a mulher diz que gosta de ser tratada e até suportei os testes de treta como que músicas ouvíamos no rádio do meu carro, dividindo a preferência com uma tipa que sempre fez questão de exprimir no comportamento, que eu não era opção, mas meio para algo. Aturei a tua arrogância das tuas insinuações de que heavy metal é para miúdos e não gente adulta como tu. A única coisa que trouxeste para a mesa foi o órgão por onde mictas, o teu arsenal de falsidade e a exigência de reconhecimento por algo que queres que pensem de ti mesmo que não o sejas. Muito pouco, para quem sabe que há mais.»


«-Estás a falar do quê?»

Noémia chama-me da cama, mostrando-me uns leggings em vinil com as pernas esticadas em direcção ao tecto.


«-Quando quiseres falar com as cartas na mesa, de humano para humano, dá-me um toque. Caso contrário, saboreia as consequências das tuas escolhas, espertalhona.»


Algo de vernacular é por ela dito, mas não escuto porque desligo o telemóvel e dirijo-me para a cama da Salvação.
 
 
 
 
 
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