Recebo no telefone, uma mensagem de whatsapp às 3 da manhã. Tinha estado a escrever até tarde, como é habitual, e fui apanhado na pior parte em que podemos ser interrompidos, aquele limbo entre sonho e vigília que comigo começa sempre com imagens de gajas boas que a minha cabeça vai buscar sei lá onde, e com toques de pele e beijos sôfregos. Depois deste limbo perco controlo de mim, e só acordo no dia a seguir. Devo sonhar a preto e branco. Sou daltónico nos sonhos e cinzento na vigília. Destrancado o telemóvel, uma mensagem da Briana, com quem eu não falava há uns valentes meses. Não me levou a bem quando lhe disse que não iria continuar a envolver-me com ela. Sentindo que não havia caminho para trás, insultou-me sem por isso eu fazer merecimento, mas depois voltou um mês e tal depois, a contactar, sem qualquer tipo de vergonha (afinal as mulheres são isentas de falhas morais) como se nada fosse, e a conversa (que sempre dou porque acredito na educação e no escutar o outro) conduziu aos seus relatos sobre um novo namorado que conhecera no tinder, e com o qual estava a viver no meio de uma parvónia qualquer. Que tinha acabado e ele tinha voltado para a anterior namorada e que ela não sabia o que fazer. Apesar de não querer continuar a envolver-me com ela, eu apreciava o indivíduo em questão. É boa pessoa, fora dos assuntos com gajos. E é uma pessoa com mitigada maldade, isto é, tem aquela velhaquice que todos temos, mas no geral, está convencida de ser mais esperta nos joguinhos que constrói na sua cabeça, do que realmente intende fazer algum mal. E como todos nós, a sua maldade, se é que lhe possa chamar isso, vem apenas da falta de confiança em si mesma. Está sempre à espreita do bicho papão da rejeição, da discriminação negativa, por parte de outros. Forçada a erigir defesas, como todos nós fazemos, ressente-se do facto de ter de o fazer, e sente que o ‘mundo’ obriga a ser a outra coisa que não é, para evitar a solidão, o opróbrio, a chacota. Não lhe guardava qualquer ressentimento a não ser pela cobardia de me ter pintado à mãe, ao pai, e à irmã, como um cabrão, não sei como, a não ser que a honestidade seja crime nos dias que correm. Queimou-me na fogueira judicativa, para limpar a sua imagem perante os próximos a quem me apresentara. Ok, menos mal, já me fizeram pior, mas nem por isso gosto. Como os insultos não haviam sido vernaculares, e como percebi que tinham sido fruto da emoção decorrente da rejeição, não a bloqueei em nenhum dos meios em que comunicávamos. E por isso estava eu a receber às 3 da manhã de uma quinta-feira, uma foto sua, no seu novo ‘emprego’ como gestora de adereços cinematográficos, com calças de ganga pretas, t shirt de alças, preta, e botas de Inverno em pleno Abril morno. Os braços direccionados para rumos opostos e dobrados pelos cotovelos com punhos fechados apontados para o tecto do pardieiro onde estava, que servia de armazém para uma produtora qualquer. A pose completava-se com a barriguinha exposta e uma careta de esforço guerreiro, para a foto. A intenção da mesma era clara, estou melhor fisicamente, o meu corpo volta lentamente aos carris do desejável, vê o que estás a perder cabrão. Como se a razão da minha recusa prévia fossem factores carnais. Sou capaz de comer um bidon ferrugento se o mesmo tiver uma personalidade interessante. Todo o que lhe havia fodido o juízo para deixar de comer batatas fritas, e moderar na cerveja e vinho, largar o tabaco, fazer exercício, etc., havia sido entendido como uma pressão minha para se tornar mais agradável aos meus olhos. Interpretava como se eu a forçasse a ser o que não era (acostumada a ser o que achava ser no seu laxismo), e irritava-se com as minhas sugestões. Tal como a camarada Sónia, que à minha sugestão de fazer exercício e largar o tabaco, reagiu como se eu lhe tivesse cuspido na sopa. Como se a mera posse de vulva a isentasse de toda a disciplina necessária para manter a saúde. Fazia dietas estúpidas que a faziam ainda mais cadavérica e inerte de tónus muscular. O seu objectivo era manter-se magra, apenas para ir mantendo algum poder sexual, já que o cabelo cronometricamente pintado de vermelho ou laranja, servia como chamariz da atenção da mesma maneira que as penas de um pavão. O olhar masculino é simples, cor brilhante, é magra, ergo fodo. Era a forma de manter o seu namorado interessado nas más fodas que ocasionalmente davam. O pobre desgraçado, sugado até ao tutano, via-se preso numa relação que desprezava e a que não conseguia fugir, senão raramente para junto dos amigos. Mas o anzol estava demasiado fundo, ela sabia como pescar e manter o peixe preso. Briana inicia a conversa que sei da treta, perguntando por mim, já que eu não respondera à imagem que me mandara. Convida-me para café, vamos. Num clube de motards, conta-me as suas novas aventuras, com malta que vem do cu de Judas europeu fazer caravanismo em chaços de óxido de ferro e que para ali pela zona da Fábrica da Pólvora, onde iria trabalhar, após o fim do corrente projecto. Pela repetição do pathos fiquei pior que estragado, pois em vez de se entregar ou escolher um gajo que a apreciasse, se ia meter com degredados degradados cuja única pena de pavão distintiva é a projecção de uma vida marginalizada por uma batida ideia de liberdade assente em não lavar o cabelo e representar um arquétipo de hippies. Que se foda, a vida é dela. À minha reacção adversa, interpretou ciúme. Não queria regressar, mas gostaria da validação de saber que eu a desejava. De novo, o arder na fogueira para aquecimento de outro. Expliquei-lhe que não, que lhe desejava o melhor, mas que a sua sucessão de más escolhas me surpreendia. Eu sei que sou esquisito à minha maneira, mas passo por um gajo normal. Entendo bem como as cachopas se atraem por qualquer coisa que faça reflexão de luz. Pelo brilho e não pelo que faz brilhar. Mas via o seu desperdício de 36 anos de vida, buscando algo que queria, constituir família, nos lugares errados. Nos pardieiros de imagens e personagens pré feitas, apenas porque enquanto primatas, boa parte de nós se perde facilmente no precipício do teatro.
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