Não posso não ter carros velhos.
Não posso deixar de conduzir à velho. Se tenho o azar de conduzir um carro novo onde o motor disponibiliza sempre mais binário por rotações do coração de ferro, obedecendo à pressão do meu pé, pulverizo-me. A vertigem da velocidade não tem enzima em mim que lhe resista. Andar rápido com a máquina mais eficiente que me é possível, é um convite para a morte. Não consigo resistir ao apelo da aceleração que me manda cada vez mais rápido para dentro do poço sem fundo de tudo o que está à minha frente. E sobre uma outra Terra que gira em sentido oposto aparece a Revelação de que as piores visões de mim próprio não eram senão bastardos do medo e de uma sapiência fatalista, que só pode ter vindo de uma vida anterior ou de alguma merda de reencarnação. Não, as visões negras sobre nós são apenas os vírus dos que nos feriram, dos opressores que deixámos que nos colonizassem o espírito. Eu nunca fugi. Evitei. Eu nunca fugi, coloquei-me em movimento para não estar parado. Eu nunca fugi, entreguei-me à mudança. Eu cedi muitas vezes ao medo, e a única força que me resta é desafiá-lo de novo. Eu nunca fugi, refugiei-me no passado ou no futuro para não ver o presente. Para não encarar a minha mortalidade e a dos que amo. Para não encarar com o esforço monótono do trabalho e do esforço, que me parece fútil a partir do Éter de onde viemos. Este acesso ao núcleo de mim, está completamente inacessível por inteiro, agora. Reverbero à sua presença e à sua existência. Como nunca antes. Vou com o pedal colado ao fundo, pelo túnel escuro e o vento na minha cara fazendo chorar os meus olhos, com a branda brisa da noite afagando-me o rosto, e lembrando-me os dedos dela na minha cara. Sei que no fim do túnel está um muro de cimento onde me vou desfazer em milhares de pedaços e partículas, do meu sangue da minha carne, dos meus ossos. Nem penso nisso. Não me preocupa, senão quando ocorrer. Vou tão rápido que nada me passa pela ideia. Inebriado com tudo, com ela. Com o contraste de cores azul e fulvo que lhe fica tão bem. Com a cor dos lábios, e com o sorriso dos seus olhos que parece ser autónomo em relação ao resto do rosto. Indago, como será ela com os cabelos ao vento e expressão de felicidade, perdida pelo espaço que se atravesse a alguma velocidade. Como será ela em imersão completa com o tecido palpitante da vida e da inapreensibilidade do Ser. Penso mais nisso que no resto. O que me preocupa, pois costumo ser mais egoísta. Menos contemplativo e mais preocupado com a minha satisfação imediata. Mas ao mesmo tempo, gosto assim. Gosto do eco que se estende só pelo infinito estelar, sinto-me livre nele. Elevado, digno. Estou contente. Muro, podes vir.
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Outubro 2024
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