Viúva Profissional
  • Casa
  • Miguel Esteves Cardoso / Pedro Paixão
  • Susana Pascoal
  • Ad se ipsum
  • Casas
  • Galeria
  • Recursos

Purgatório de um não baptizado I

12/11/2021

0 Comments

 
Imagem

Faltavam 3 riscos brancos na mesa de vidro temperado.
Um deles circulando bem-comportado pela minha traqueia abaixo, assinalando com euforia a sua presença.
Se já falo para caralho normalmente, com neve colombiana pareço uma grafonola atómica.

Quase todos os psicotrópicos para consumo humano implicam uma dose de esquecimento e relativização, apenas sobre estimulando capacidades sensórias.


E ela havia estimulado as minhas, colocando a sua mão na minha perna e perguntado como eu estava.
Não te sei dizer, mas toda o meu neocórtex interpretou a questão como um convite a explicar a minha vida inteira de um ponto de vista intelectualizado.


Parte de mim sabia, a parte mais alta, digamos o alter ego, aquele reduto onde está a superior sapiência de que o cabrão do ego puxa os cordelinhos, mas é uma ilusão no grande esquema das coisas.



Uma gaja boa meter a mão na minha perna, loiraça, com fato de trabalho profissional como se advogada ou bolsista, cabelo espartanamente apanhado, ligas pretas, e perfume aquecido pelo seu corpo firme, faz-me em condições normais tentar impressionar. Mas aqui, eu queria tanto fodê-la que usei o meu A game para impressionar a boazona e poder esquecer-me dos dóidóis no meio das suas pernas e de juras infinitas de amor interminável.



Saia cinzenta, e ao falar que nunca mais me calo, o tal alter ego a avisar-me que já no passado perdera pito por tal verborreia incontida que apenas serve de escape emocional, racionalizando sobre as coisas que tenho dificuldade exprimir.
Vês, quando falo, nem sempre é para impressionar o outro, é mais para vazar a emoção acumulada, a solitária observação do mundo que me fica na retina sem ninguém com quem partilhar.



Vivo demasiado dentro da minha cabeça e acho que se o revelar, o outro se apaixona por mim, na certeza absoluta de que a minha vida interior daria um filme ou conto de fadas. Ou de fodas.



Fácil ganho fácil perdido, e as lucubrações que ia tendo pareciam surtir efeito, com ela cada vez mais interessada ou fingindo interesse, pois se finge interesse também é bom porque o esforço de fingir implica que já decidiu foder connosco, porque senão não se submeteria ao tédio.


Com um olho no burro e outro no cigano, ou seja, compreendendo que a euforia do meu ego sedento de sexo, era um estado emocional que podia não ter correlativo na realidade objectiva, não me deixei embandeirar em arco.


O alter ego dizia para me calar, o interesse estava garantido, para a cueca bastava que me calasse.


O ego dizia gritando que nada me determina muito menos uma cona e que portanto eu viveria no risco, arriscando a perda da vulva na minha catarse emocional, que se sobrepunha a todo o resto.  Quem diria, aliviar as tensões, como acto de interesse por mim, sobrepondo-se à dependência vulvar.



Estaria enganado em relação a mim e à opinião que tenho de mim próprio como dependente de sexo mesmo a expensas da própria dignidade?



E subitamente parei, pois percebi que se de facto havia essa possibilidade e eu estava a pensar nela, então a gaja não era de facto, o mais importante.


Eis que esta gaja boa estava aqui ao meu lado e eu estava a pensar em questões de moral ética e valor próprio em contexto metafísico, quando podia estar a mexer no soutien 36 que à minha frente parecia convidar a uma sessão de chavascanço ad absurdum, reparando ao mesmo tempo na respiração acelerada dela, por via das marés do seu peito, em ritmos rápidos inferiores aos de preia-mar.




Nem te conto, uma onda de alegria percorreu-me o corpo, por perceber a ideia errada que tinha de mim próprio.



Não sou dependente afinal, da cona, da validação de uma mulher, mas um filósofo que se conhece apenas no sabor da boca de quem vai amando pelos estágios da sua vida.


A ideia pareceu-me boa e usei a ideia da boca, dizendo-lhe fora de contexto que queria saber a que sabia o cuspo dela.


Parou de mascar pastilha elástica, engoliu a mesma e ficou a olhar para mim com olhar travesso e expectante.


A força dos meus lábios esmagados nos dela era tal que toda a mariquice que uso normalmente para me sabotar, ficou de fora hermeticamente vedada, e só um gutural gemido de entrega telúrica enquanto lhe puxava a saia para cima da cintura se escutava no espaço do que parecia ser um concerto de alguma banda de música hipnótica.

Era como se Deus olhasse para mim através de um daqueles momentos em que a vida parece tratar-nos por tu, e então sabemos que esta merda é pessoal.


As únicas palavras dela foram «-João, já viste onde estamos?»


Olhei em volta e vi muita gente, como se todos estivessem esperando.

​
Respondi «-Sim, nas boas graças do Criador.»
0 Comments



Leave a Reply.

    Viúvas:

    Arquivos:

    February 2023
    January 2023
    December 2022
    October 2022
    September 2022
    August 2022
    July 2022
    June 2022
    May 2022
    April 2022
    March 2022
    February 2022
    January 2022
    December 2021
    November 2021
    October 2021
    August 2021
    July 2021
    June 2021
    May 2021
    April 2021
    March 2021
    February 2021
    January 2021
    December 2020
    November 2020
    October 2020
    September 2020
    May 2020
    April 2020
    February 2020
    January 2020
    December 2019
    November 2019
    October 2019
    September 2019
    August 2019
    July 2019
    June 2019
    May 2019
    April 2019
    December 2018
    November 2018
    September 2018
    April 2018
    January 2018
    June 2017
    September 2016
    May 2016
    October 2015
    August 2015
    June 2015
    February 2015
    January 2015
    November 2014
    October 2014
    September 2014
    December 2013
    November 2013
    October 2013
    May 2013
    February 2013
    January 2013
    December 2012
    August 2011
    March 2011
    June 2010
    July 2009
    February 2009
    January 2009
    August 2008
    July 2008
    June 2008
    May 2008
    February 2007
    January 2007
    December 2006
    November 2006

    Tori Amos - Professional Widow (Remix) (Official Music Video) from the album 'Boys For Pele' (1996) - todos os direitos reservados: 
    Atlantic (US)
    East West (Europe)

Lado A
  • Casa
  • Miguel Esteves Cardoso / Pedro Paixão
  • Susana Pascoal
  • Ad se ipsum
  • Casas
  • Galeria
  • Recursos