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Purgatório de um não baptizado I

12/11/2021

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Faltavam 3 riscos brancos na mesa de vidro temperado.
Um deles circulando bem-comportado pela minha traqueia abaixo, assinalando com euforia a sua presença.
Se já falo para caralho normalmente, com neve colombiana pareço uma grafonola atómica.

Quase todos os psicotrópicos para consumo humano implicam uma dose de esquecimento e relativização, apenas sobre estimulando capacidades sensórias.


E ela havia estimulado as minhas, colocando a sua mão na minha perna e perguntado como eu estava.
Não te sei dizer, mas toda o meu neocórtex interpretou a questão como um convite a explicar a minha vida inteira de um ponto de vista intelectualizado.


Parte de mim sabia, a parte mais alta, digamos o alter ego, aquele reduto onde está a superior sapiência de que o cabrão do ego puxa os cordelinhos, mas é uma ilusão no grande esquema das coisas.



Uma gaja boa meter a mão na minha perna, loiraça, com fato de trabalho profissional como se advogada ou bolsista, cabelo espartanamente apanhado, ligas pretas, e perfume aquecido pelo seu corpo firme, faz-me em condições normais tentar impressionar. Mas aqui, eu queria tanto fodê-la que usei o meu A game para impressionar a boazona e poder esquecer-me dos dóidóis no meio das suas pernas e de juras infinitas de amor interminável.



Saia cinzenta, e ao falar que nunca mais me calo, o tal alter ego a avisar-me que já no passado perdera pito por tal verborreia incontida que apenas serve de escape emocional, racionalizando sobre as coisas que tenho dificuldade exprimir.
Vês, quando falo, nem sempre é para impressionar o outro, é mais para vazar a emoção acumulada, a solitária observação do mundo que me fica na retina sem ninguém com quem partilhar.



Vivo demasiado dentro da minha cabeça e acho que se o revelar, o outro se apaixona por mim, na certeza absoluta de que a minha vida interior daria um filme ou conto de fadas. Ou de fodas.



Fácil ganho fácil perdido, e as lucubrações que ia tendo pareciam surtir efeito, com ela cada vez mais interessada ou fingindo interesse, pois se finge interesse também é bom porque o esforço de fingir implica que já decidiu foder connosco, porque senão não se submeteria ao tédio.


Com um olho no burro e outro no cigano, ou seja, compreendendo que a euforia do meu ego sedento de sexo, era um estado emocional que podia não ter correlativo na realidade objectiva, não me deixei embandeirar em arco.


O alter ego dizia para me calar, o interesse estava garantido, para a cueca bastava que me calasse.


O ego dizia gritando que nada me determina muito menos uma cona e que portanto eu viveria no risco, arriscando a perda da vulva na minha catarse emocional, que se sobrepunha a todo o resto.  Quem diria, aliviar as tensões, como acto de interesse por mim, sobrepondo-se à dependência vulvar.



Estaria enganado em relação a mim e à opinião que tenho de mim próprio como dependente de sexo mesmo a expensas da própria dignidade?



E subitamente parei, pois percebi que se de facto havia essa possibilidade e eu estava a pensar nela, então a gaja não era de facto, o mais importante.


Eis que esta gaja boa estava aqui ao meu lado e eu estava a pensar em questões de moral ética e valor próprio em contexto metafísico, quando podia estar a mexer no soutien 36 que à minha frente parecia convidar a uma sessão de chavascanço ad absurdum, reparando ao mesmo tempo na respiração acelerada dela, por via das marés do seu peito, em ritmos rápidos inferiores aos de preia-mar.




Nem te conto, uma onda de alegria percorreu-me o corpo, por perceber a ideia errada que tinha de mim próprio.



Não sou dependente afinal, da cona, da validação de uma mulher, mas um filósofo que se conhece apenas no sabor da boca de quem vai amando pelos estágios da sua vida.


A ideia pareceu-me boa e usei a ideia da boca, dizendo-lhe fora de contexto que queria saber a que sabia o cuspo dela.


Parou de mascar pastilha elástica, engoliu a mesma e ficou a olhar para mim com olhar travesso e expectante.


A força dos meus lábios esmagados nos dela era tal que toda a mariquice que uso normalmente para me sabotar, ficou de fora hermeticamente vedada, e só um gutural gemido de entrega telúrica enquanto lhe puxava a saia para cima da cintura se escutava no espaço do que parecia ser um concerto de alguma banda de música hipnótica.

Era como se Deus olhasse para mim através de um daqueles momentos em que a vida parece tratar-nos por tu, e então sabemos que esta merda é pessoal.


As únicas palavras dela foram «-João, já viste onde estamos?»


Olhei em volta e vi muita gente, como se todos estivessem esperando.

​
Respondi «-Sim, nas boas graças do Criador.»
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