Love bombing é um termo chique para uma dinâmica que durante alguns anos me apanhou de surpresa. A mim como a outros ingénuos que achavam que o amor vale por si. Ah João, quem te magoou e vais morrer sozinho ou ainda vai aparecer a tampa para a tua panela. Vai-te foder. Como se para olhar de frente para as coisas só por trauma emocional se afirmasse a verdade feia que acontece. Como se ter uma opinião contracorrente fosse sinal de trauma, ou seja, de determinação emocional que te tolda o juízo. Vai-te foder. Estou são e sóbrio. Love bombing é aquelas gajas que quando te conhecem, com meia dúzia de dias te dizem que és o melhor na cama e o homem da vida delas. Ligam-te a qualquer hora e fingem gostar quando as comes encostadas à parede numa noite em que te embebedaste com os amigos e vais a casa delas às 4 da manhã sem avisar. O love bombing passa por te fazer sentir que és o centro da religião de alguém. Para vencer a tua descrença, e convencer de que aquela pessoa realmente te ama. A Célia, como não tinha qualidade, investia na quantidade, enchia-me o telefone com mensagens e corações e o caralho a sete. Esta a Rita, faz o mesmo, modus operandi semelhante, mas já coloquei num servidor lá em casa, um relógio digital em contagem decrescente para o tempo em que a tentativa de convencer passará a exigir algo. Quando a oferta generosa passará a factura por serviços prestados. Vêm-se que nem uma doida e diz-me juras de amor suada, que não lembram ao Bocage. Rio-me e abraço-a, fingindo acreditar e apreciar as balelas do que diz. Não lhe quero magoar os sentimentos e às vezes até o fingimento é indicador que se ralam realmente connosco. Mas não perco a ideia de que por muito fofo que achem o leitão, se tiverem fome o assam em três tempos. De modo que para mim, é rir-me com os clichés e observar. Ver o pião rodar feito parvo em direcção ao centro de massa terrestre, convencido de que são os orbes celestes que rodopiam em velocidades estonteantes. Vi o Tozé ali perto do Areeiro. Eu andava meio bêbedo à procura da Hemeroteca e vi um cabrão aproximar-se do meu raio de visão. Eh pá tás bom e não sei quê. É comissário de bordo tem o seu duplex ali na Portela. Engata gajas mandando fotos de copos de vinho com fundo da sua lareira e com promessas de amor eterno, se deixarem os namorados. Safa-se bem o cabrão. Conforme ele diz, impressionante o quão crédulas e convencidas as gajas são. Nunca comeu tantas diz ele, reconhecendo o seu feitio sinuoso, mas que se foda, também não quer ficar com nenhuma. Eh pá anda ali ao Tangaroa, pago-te um copo, não acontece muito encontrar amigos colegas de há 30 anos atrás. Não tinha nada que fazer, estava meio bêbedo e pela hora já não teria trabalho útil a ler as revistas digitalizadas que alguém algures no tempo lera na casa-de-banho. Da cerveja passa-se para o gin, que o cabrão queria fazer-se de fino. Não só fica ele ébrio, como eu passo a Saturno. Baixando as inibições, começa ele as hostilidades, falando dos momentos da nossa infância que o marcaram. Eu escutei. Tal como as gajas que fingem te amar ao início, e que a vossa situação é uma excepção no repertório do espaço-tempo, também o bully te tenta convencer que o seu mo é natural e que tu afinal és normal, um sujeito inteligente e perspicaz nas coisas sociais. Ganha-te a confiança, e alimenta-se do teu sentimento de inadequação a partir do momento em que te oferece um pontapé no rabo ou um soco no estômago, para estabelecer por fim, a hierarquia na qual tu passas a ser o pasto e ele ou ela, o fogo. É essa hierarquia que é o visado, só se sentindo acima de ti, pode ele sentir-se bem com ele próprio. O tipo ou tipa, que para viver consigo, sacrifica os outros. Este cabrão fez-me isso. Em 1987, num visita ao centro comercial da portela de Sacavém, ao degustar um croissant de chocolate. Prega-me um pontapé no rabo, pois sabia pela auscultação anterior, não só que eu era manso, como não responderia à agressão. Da mesma forma como antigamente ficava a anhar, pelas cachopas deixarem de responder subitamente de forma a que eu as perseguisse, também este traumatizado aproveitava mo anterior, captando para si, mais um estado subsidiário do seu amor próprio, eu. O curto-circuito de ficar a pensar na justificação da agressão e das nossas acções era o mesmo que quando do nada a tua namorada de livre vontade te diz que as coisas não estão a dar, por tua culpa, quando na verdade é porque um colega de trabalho lhe promete um copo de tinto em frente à sua lareira. Antes que percebamos que o cabrão planeara tudo desde o início, já somos a bitch dele. Ou lhe damos logo nos cornos, ou passamos o resto da vida a fugir. Eu ouvia o gajo, e deixava-me calar para não lhe responder. Tentava compreender-lhe o lado humano e esquecer os agravos que o meu ego se queixava que me tinha feito. Até ao momento em que se gabou de ser o maior na secundária. Deixou de ser vitima para assumir a culpa. «-Eras o maior? Como assim?» Perguntei eu. «-Ah, sabes, os conas que havia na nossa escola, ainda dei nos cornos em alguns a ver se aprendiam.» Só pensei para comigo como negociar com o meu ego, esta confissão do seu opressor, sem me tornar desagradável. «-Tens noção que eu era um desses?» Ele parou de brincar com a língua e o gelo no copo e de correr os arquivos de memória à procura do meu papel na sua fantasia egóica. Isto foi o mais insultuoso, o saber que o cabrão nem se lembrava bem da minha história, tal como gajas que não se lembram que nos prometeram amor, quando nos falam por favor num qualquer concerto de música em que nos encontramos inadvertidamente. Finalmente lá se apercebeu da gaffe, de quem eu era e do que tinha feito. Mas não assumiu. Eu perguntei se queria repetir o que havia feito. Tentou envergonhar-me com a conversa do somos adultos e do ficou lá para trás, da mesma maneira que uma gaja te faz gaslighting quando lhe apontas erros passados, revertendo o seu, para ti. Por exemplo, quando há um gajo que lhe mandou uns sorrisos e innuendos e ela te diz que não a levaste a passear mais vezes, portanto tu é que falhaste. Porque não quer assumir a sua culpa, ou natureza humana, não se importa de te fazer arder pela própria responsabilidade. Outras mergulham de cabeça e assumem logo para acabar ali a discussão. Respeito mais essas. «-Olha, sou uma puta e perdi a tesão por ti, há um gajo melhor a rondar, portanto mete-te no caralho.» - como me disse a Susaninha. Fiquei a respeitar, não pela boçalidade, mas pela artimanha de quebrar logo ali qualquer esperança de dignidade dela. O problema são as que se fingem de dignas e são putas como as outras, deixando-te a ti na dúvida. Amiga, vai à tua vida, não faças é do outro responsável pelo teu carácter. Esse é o pecado. O gajo havia começado a bailar à minha frente. Eu já nem via bem o bar na Almirante Reis, que ele se gabara de frequentar quando tinha scooter e os outros andavam a pé. Ou da roupa de marca que vendia, gozando com os outros, eu incluído, por terem a roupa que o salário dos progenitores permitia. Dirijo-me para a porta e um cinzeiro é arremessado na minha direcção acertando-me por sorte apenas na orelha. O empregado de balcão fica olhar, habituado a cenas de bêbedos, e eu volto para trás, já não era eu. O Tozé mete-se na pose característica da esgrima, esquecido que não tinha florete. A perninha à frente avançada, foi raspada que nem manteiga, de tal forma que ainda tive tempo de lhe agarrar no colarinho e cabecear antes de chegar ao chão. O telemóvel dele voou para perto, e enquanto eu lhe dizia algumas palavras e imaginava arrancar-lhe o rosto no rugoso do soalho grés, vi o meu rosto reflectido no vidro do smartphone. Foda-se ando violento, eu não sou assim. «-Óh filho da puta, achas que me esqueci?» Disse estas palavras a olhar o meu reflexo e não gostei do que vi. Não sou como este cabrão nem como as putas que me passaram pela mão. Elas como ele, são iguais. Bullies. Gente que não tread lightly na vida alheia. Gente sem consideração pelo papel dos outros na sua vida. Gente incapaz de te aferir o valor sem ser através de uma hierarquia. Elas, eles. Larguei-o e fui para casa da Rita. Abriu a porta a contragosto e iniciou as recriminações e exigências. Acedi por sessão remota à minha rede de casa e parei o cronómetro no servidor.
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