Olhava a nesga de Tejo que do alto do Príncipe Real que a custo da escuridão se deixava apanhar pelos meus olhos tristes.
Encharcado em suor, que secando se cola ao corpo como camada de celofane que ao mínimo movimento se rompe como sonhos de adolescente, sentia na pele o desagregar de H2O emanado do esforço e da sofreguidão de uma noite em claro. Ao meu lado a Jenny dormia profundamente, com ar exausto e desolado, que o meu ego se comprazia pensar dever-se à minha performance horizontal. As luzes de um navio graneleiro avançavam lentamente no sentido de Vila Franca de Xira, e eu reflectia porque é que após tantas horas de cogitação, ainda me sentia orgulhoso por achar bom na cama, como se a endurance e estamina, dos dialectos modernos, fosse algo merecedor de orgulho. Como se fosse um cartão de visita que se mostra aos outros para que nos validem ou pensem bem de nós. Como se fosse parte da essência de um homem, agradar, cativar, dar prazer a uma mulher. Ser o que entretém, persegue, gaba, satisfaz, outro ser humano, só porque ele (mulher) tem uma vagina no meio das pernas. Lembrei-me então da subcultura dos adolescentes dos subúrbios de Lisboa, que difere da de agora, como esta vai diferir das vindouras, numa sucessão de reinvenções, reaquecimentos da mesma sopa, de modo a dar a ilusão às pessoas, de que o tempo que passam vivas, é único e irrepetível, e novo e inaugural. Cultura em que os rapazes espalhavam entre si, ideias feitas acerca da sua insegurança, que as miúdas largam quem as não satisfaz sexualmente e que as pilas grandes são condição sine qua non para manter a furtiva mente feminina. Ri-me brevemente, mas depois percebi o quão sombrio é o entranhado na minha alma, à custa destas ideias parvas, mas que tanto sentido faziam na cabeça da rapaziada suburbana, de há umas décadas. A crença de que tenho de ser x ou y, ou fazer y ou x, para que gostem de mim e permaneçam, exprime-se aqui com toda a força. Como se a mulher fosse o prémio, o deus a quem temos de agradar. Mas vale para homens também. Remontei aos tempos de infância onde cada expressão da minha individualidade era obliterada pela aprovação de um adulto que via em mim o ressentimento contrastado, entre aquilo que nunca tivera, e eu, que tudo tinha – a que ele não tivera direito- sem nada haver feito para isso. Parecia-lhe injusto que ele tivesse tido tal sorte e eu diferente. Havia, portanto, que me quebrar mentalmente, e conseguiu-o, mas não como queria. Queria que eu finalmente me vergasse e entregasse a oferenda da minha submissão a seus pés. Não o fiz. A Jenny virou-se na cama, e encostou-se a mim, o que sabe bem, pois as noites já se tornam frias, e eu abraço-a querendo-lhe dar o carinho que a proximidade inexistente entre nós não permite. Podia fazer-lhe festas no rosto, mas não sei se é uma cabra com as outras pessoas, intratável porque os seus 28 anos ainda lhe granjeiam algum favor preferencial pelo mundo fora. Ainda que condicional à promessa de sexo que os homens, consciente ou inconscientemente sempre obedecem. Prefiro afagá-la pelo humano que suponho que seja, até porque, por mais cabras e velhacas que algumas gajas sejam, não lhes desejo a morte. Só a distância. E aos gajos também. E de mim também, que nem sempre sou bom de assoar. Afasto-lhe o cabelinho louro, dos olhos, muito ao de leve, para não a acordar, e vinco com os dedos a direcção das sobrancelhas. É imperioso que não acorde, porque as cachopas nos dias que correm, acham sinal de fraqueza e até sinistro, um gajo capaz de facultar carinho, sem a proximidade de convivência que o justifique. Ou o encaram como doente ou rebarbado, o que vai dar ao mesmo. A americana que tracei há uns meses, olhou-me pasma, num piano-bar quando lhe dei ternos beijos no rosto. Como que se fosse estranho, do género, será que este cabrão não consegue engatar mais ninguém e eu calhei com um encalhado? Será um stalker, que me perseguirá após o descartar, oh maigode, que vida perigosa. Em abono da verdade, sou carinhoso porque é a única forma que tenho de não chorar, pelo lamento existencial de saber que tudo é transitório, e circunstancial. Que entendo os queixumes de uma natureza a que as mulheres obedecem, sem disso terem noção. Estudassem Arqueologia ou Biologia Evolutiva. Assim, como com Jenny, passava as costas da mão pelas maçãs do rosto, soltando o que imagino serem as boas energias, de apreciar a existência do outro por ele mesmo, como que se a minha aura apreciadora das suas se misturasse por osmose, reconfortando como porto de abrigo, a violência e injustiça desta Terra. Mariquices estranhas deste género, e ala que as gajas saltam fora, e tenho de alinhar a próxima, até que ela se farte, e lance nos braços do próximo boçal que lhe pareça mais brilhante para levar para o ninho, como pega-rabuda. Passo a expressão. Sei agora, que já sabia sem querer. A minha viagem de descobrimento, só articulou o que já sabia de antemão, mas não queria acreditar. Via-las como deusas, são marionetas, manobradas por um titereiro implacável. O erro sempre esteve na minha projecção delas, como iguais. Não pensam da mesma maneira, porque os géneros não são iguais, complementam-se, em prol da procriação. Abençoada sociedade actual que permite mil e uma sexualidades, mas no chamado tempo das cavernas, em que o código foi fixado, era assim. E elas tão sujeitas a ele, como nós. A minha história com Jenny havia começado no dia anterior, eu sentado numa esplanada no Príncipe Real, a beber uma imperial, no sítio exacto onde em 2006 a célebre Susana, introduzira minha mão dentro das suas cuecas, para eu ver que estava molhada, numa manobra de impressionismo maneirista, de molde a capturar-me o desejo e o fascínio. Sim, também elas se querem sentir apreciadas, e controlar a percepção dos outros. Na altura, os meus pensamentos rodeavam a fauna que hoje em dia estiva por Lisboa, na sua maior parte turistas, que se esticam de manhã quando acordam, nas varandas dos hostels ou nos apartamentos hiperinflacionados. Quando passeiam de manhã com sandálias e meias brancas, e os poucos portugueses que os imitam no seu cosmopolitismo, de turistas que passam pelas ruas admirando os azulejos, mas desconhecendo a história profunda das ruas do país mais velho do Velho Mundo europeu. A capital completamente despida de personalidade, para mais uma vez, como é normal ao longo dos séculos, pelo açúcar, escravos, ouro do Brasil, especiarias, ou agora os vistos com que se troca cidadania por erário. O português é de facto racista. Detesta portugueses. Trocamos a nossa identidade por um prato de lentilhas. «-Hey, can i borrow this chair? » - interrompe-me o solilóquio. Era Jenny. Filha de um magnata qualquer da restauração nos Alpes, e a mãe era do País de Gales, de ascendência real. Pela mão vinha com a namorada, que tal como ela viajara num paquete qualquer, e não falavam ponta de português. «-Sure.» - respondi eu. Empurrei a cadeira com o pé para se poderem sentar. Pedi outra cerveja e voltei a pegar no ‘Crime e castigo’, que é a par do ‘Do androids dream of electric sheep?’ e do ‘ O Nascimento da Tragédia’ o monte de papel que mais me passa pelas mãos a seguir aos rolos de papel higiénico mais barato do Aldi. Era difícil imaginar o jovem estudante assassino, na Rússia, a partir de 36 graus à sombra. Valia pelas loiraças à minha frente, se bem que a namorada de Jenny tinha o cabelo roxo, só as sobrancelhas eram aloiradas envolvendo os olhos azuis. Não, não estava o ambiente para ler Dostoievski, e voltei a fechar o livro, pousando-o. O meu olhar cruzou casualmente o delas, e ambas olhavam para mim directa e ostensivamente, como que julgando ou emanando ódio. 'Estranho...', foi o que pensei. Depois percebi, como eram amantes e o mostravam publicamente, olhavam para mim procurando o meu olhar de suposta censura, para poderem reforçar o seu amor, a sua idealidade de amor contra o mundo, ou pura e simplesmente a sua dose de oxitocina, de gajas de causas. E eu que só estava a pensar no cuidado com que Raskolnikov arruma a machada. Já vi isto tantas vezes, especialmente no part time de vigilante. Lésbicas, homossexuais e casais mistos (mulher branca com homem negro, pois ao contrário nunca me aconteceu), entram pelas lojas olhando directamente nos olhos quem quer que possa olhar para aquilo que sentem ser a sua ‘situação’, prontos a disparar invectivas contra a discriminação anacrónica que imaginam ver nos olhares dos outros. O gajo da farda, por mais baixo na hierarquia social que esteja, é sempre o alvo privilegiado, nestas buscas por indignação, oxitocina. Existem pobres diabos que censuram com o olhar de facto, mas a maioria quer lá bem saber, deduzo. Julgo até que a maior parte das pessoas olha, porque os 'visados' olham primeiro e mais intensamente, para capturar essa atenção dos outros, que procuram. É como dar um traque no Metro em hora de ponta. Ninguém quer saber se tens problemas de intestinos, apenas que não soltes o gás. Ninguém quer saber da vida dos outros, desde que não incomode a sua. Os visados, aqueles que procuram a reprovação alheia, apenas o fazem para acentuar o carácter de excepção que gostam de pensar que têm. Quando julgam os outros, imolam-nos no altar da sua própria subjectividade, usam-nos tal como Don Giovanni usava as incautas donzelas, para experienciar um pouco mais de amor. Identificado com o status quo atrasado e provinciano, tem-se a ideia feita de que é retrógado (como se a crença positivista de um avanço civilizacional inexorável não fosse uma fantasia de gente rica) e que portanto é o primeiro local onde se procura no olhar de outro, a reprovação que se quer reprovar. Invariavelmente estou a galar a nalga de uma tipa qualquer, me sinto observado, e procuro para descobrir a origem do olhar que pressinto, invariavelmente uma gaja que me olha com olhar perfurante como que interpretando que estou a censurar ter casado com um homem negro, quando eu só estava a olhar para o rabo de outra. Um ou outro casal de homossexuais, também já veio beijar-se ostensivamente à minha frente, ficando-se a minha perplexidade a meio caminho de pensar que devo ter cara de juiz, ou que fazem isto a todos os vigilantes de loja de roupa. Mas os gajos também, aqueles que passeiam na rua com a mulher vestindo curtas mini saias, sempre alerta para quem desafia o seu direito de propriedade, pois sentem que o olhar de desejo de possíveis competidores, é bypass a um respeito que eles merecem enquanto homens. Chama-se hoje, 'mate guarding'. Mas é mais comum serem mulheres a iniciar esta ‘guerra do nós contra todos’, porque será? Penso que é por serem mais dependentes das emoções, que o sistema reticular providencia, pois se forem à realidade procurar o que querem encontrar, encontram o que procuram. Se eu decidir reparar em todos os carros vermelhos, vou começar a notar existirem mais carros vermelhos. Se eu achar que Portugal é um país estruturalmente racista, vou encontrar exemplos na realidade que o mostram, provam e demonstram. Mesmo que o branco não se dê com o preto e vice-versa em casos particulares, o que procuramos, são confirmações externas que validem as crenças onde investimos muito do nosso ego, generalizações. Se a gaja acha que é inclusiva por ter casado com um homem negro, ela é de facto uma racista, porque casou mais com o negro, menos que com o homem. É o que pode ditar o apego e desejo de determinada auto-imagem, ou por outras palavras, a força de individuação. A auto-imagem que alguém tem de si mesmo, é um paliativo para a dignidade que dá à sua existência, ao carácter de excepcionalidade, tão presa ou preso, como eu, à crença de que partir camas de ferro a copular, é a melhor maneira de garantir amor e companheirismo. Raios, conheço gajas que vão para São Tomé ou Cabo Verde, fazer turismo sexual, mascarado de solidariedade ONG, juntando orgasmos a caridade e boa vontade. Claro que não foram para fornicar pretos, mas esses mesmos homens de tom escuro de pele, seriam invisíveis para elas, se fossem exactamente iguais, mas brancos. Estou a generalizar, vale o que vale. Aquelas duas, a Jenny e a namorada, estavam a olhar-me à procura de indícios de censura, para poderem despejar a mesma rotina de azedume para cima de mim. Não gosto de desviar o olhar, ri-me e olhei-as fixamente. «-Got a problem buddy?» - respondeu a do cabelo artificialmente colorido e das tatuagens no braço, claramente a mais belicosa. «-Yep, i have.» - respondi a contragosto, só para mostrar que não me deixava intimidar por duas cachopas que se achavam melhores que eu, mais sofisticadas e mundanas. «-You do? Tell me.» - a sua linguagem corporal era agora nitidamente confrontacional, e se tivesse camisa, estaria a arregaçar as mangas. «-Well, big dicks don’t bring money, so that makes me poor.» A piada fez-me rir comigo próprio, e por isso valeu a pena. Quando voltei a olhar para elas, olhavam-me com uma cara como se eu tivesse dito a coisa mais estranha do mundo. Valeu também pelo facto de as deixar caladas e isso prometer-me sossego, aquele que eu tinha antes da sua chegada. A cabeça roxa levantou-se e veio tirar satisfações, encostando-se a mim prendendo com a sua coxa a minha mão que estava na borda da mesa. Tirei-a com algum esforço e olhei placidamente para ela. Meti a mão à cara a perguntar-me se nem aqui, fora do Facebook, consigo afastar-me desta estirpe de zombies judicativos, que lida mal, sei lá com quê. O gajo do quiosque que servia as cervejas, olhava para a cena, por certo testemunharia se eu fosse agredido primeiro, o tipo era de Minas Gerais, e trabalhava ali há dois meses. Começou a falar em voz alta, e eu repeti três vezes, «-Please go away.» Interpretando isso com fraqueza, como é habitual, aumentou o volume da voz, e percebi instintivamente, que estava a tentar impressionar a outra com o seu fundamentalismo de causa. Olhei para cima, sorri, e convidei-a a sentar, que lhe pagava uma cerveja. Antes que pudesse interpretar isso como medo da minha parte, a Jenny, sentara-se ao meu lado, deixando a outra silenciosa e forçando-a a ir buscar as suas coisas para se poder sentar também. Yepikaiêi, pensei eu. «-You are so rude!» - diz a Jenny, com uma voz bem mais doce, que a da outra. Sou? Porquê? A falar logo de pilas sem nos conheceres. E assim começou a conversa. A outra sentou-se em frente a mim, e pressenti que havia ali mais em jogo do que aquilo que eu via. Mandei vir 3 cervejas. A cabeça roxa disse que eram lovers, e que eu era retrógado por estar a olhar assim para elas, e perguntei o que lhe provava a ela que eu a olhava da maneira que ela achava que eu olhava. Respondeu que é o que geralmente acontece, e que eu estava a mentir para não parecer mal. Olhei para a Jenny e disse-lhe que elas é que eram rudes. «-Why?» - ambas em uníssono. Porque estão no meu país e eu tenho de falar inglês, e porque uma me acabara de chamar mentiroso. Que é bem pior que falar da minha pila. A Jenny solta uma gargalhada e até a outra esboçou um sorriso que matou logo no parto. «He’s got a point here. » Depois das apresentações pós gelo partido, a pergunta da praxe. O que é que fazes Jóuão, que é o melhor que conseguem dizer o meu nome. Línguas de certa forma amaricadas, ‘thunder’, trovão! Boca cheia, som grandioso e assustador. Jóuão… Nem Lisboa é para os conas, nem o português para mariquices. «-I stay in tables drinking beer all day and pick up lesbian couples, so that I can bang them until kingdom come. » Silêncio, depois as gargalhadas. «-You are a funny chauvinistic pig.» «-Am i? I don’t think so, im Pisces.» Gargalhadas. Bem, cada graçola encaixava bem. Percebi que a Jenny era o prémio a conquistar, na relação das duas, e que a outra era mais dependente dela que o contrário. Nem me interessava muito. A mentalidade de carência, tornava a cabeça roxa, alguém cuja presença era menos agradável, e a braços com os seus próprios demónios. Chauvinista porquê? Porque da maneira como falas, pareces que odeias as mulheres e o feminismo. Não, eu amo as mulheres, mas odeio o feminismo. A cara delas era a de quem me vira mijar no tacho da sopa. Como é possível odiar o feminismo? Porque odeio quase todos os ismos. Mas o feminismo promove a igualdade entre os sexos. Nunca existirá igualdade entre os sexos enquanto só um for detentor dos meios de produção da espécie humana, e for capaz de controlar o nascimento. Estás a falar de quê? Estou a falar de que a mulher é monopolista do útero, e controla a natalidade com a pílula e o aborto. Isso com a sociedade do conforto, tornou o homem ainda mais dispensável, e portanto, cada homem, criado para ser uma rapariga defeituosa, nos dias que correm, tem de humilhar-se e até rejeitar-se, se quer dar vazão às 17 vezes mais testosterona que possui. Mas Jóuão, nós temos direito ao nosso corpo. Claro, todo, mas que aconteceria se Espanha dissesse que o Tejo era deles e fechavam a torneira da água cá para este lado? Se bem que aqueles cabrões nunca respeitam os caudais mínimos acordados em tratados. «-I dont get it.» Uma mulher hoje em dia não precisa de um homem para nada. E o homem, se quer ter sexo e filhos, precisa da mulher. Nós, os homens criámos este mundo controlado e confortável, onde somos agora obsoletos. «-Yes, the future is female!» - disse a cabeça roxa entusiasticamente. Não, não há futuro. Ainda, ainda vão sendo precisas duas pessoas de género diferente para procriar. E se o mundo continuar a consumir, como as mulheres consomem tecido nas lojas de roupa ocidentais, não há planeta no futuro. Toda a gente sabe que as mulheres são mais pacificas e melhor carácter que os homens, que são tóxicos, disse a Jenny. A cabeça roxa tinha os olhos a brilhar ao ouvir isto. Uma devia estar na fase de descoberta e outra na fase de vendedora. Não, as mulheres são também cabras, e sem carácter. É engraçado como tão pouco é permitido criticar o gajedo no geral, mas frases feitas sobre a suposta toxicidade masculina, são dogmas. Antes de mais, as mulheres detestam códigos morais. São limitadores. «What?» - a cabeça roxa, de nome Eve, mostrou-se ofendida. Sim, o valor de um homem para uma mulher, é meramente instrumental. Quer dizer, vocês olham para o corpo da mulher como um objecto, e as mulheres é que instrumentalizam? Sim. Na minha experiência, a facilidade com que uma tipa corta com quem passou meses, anos, ou até uma simples noite, é desconcertante. O que se chama ‘ghosting’ hoje em dia, é método. Se uma mulher perde o respeito por um homem, corta contacto independentemente dos efeitos que isso provocará nele. É quase sempre unilateral, e bastaria uma explicação mínima, mas nem isso fazem, pois detestam passar pelas cabras que são. É mais fácil então sumir. Negar ao outro sequer uma satisfação, como se ele fosse um monte de merda que se deixa a secar à solidão do Sol. A justificação pode ser dupla, a) que é assim que o mundo funciona, que se ele não sabe, devia saber, abra os olhos e b)que é melhor assim, causa menos sofrimento o corte abrupto. Na realidade, quando lhes fazem o mesmo, choram por todos os cantos, o quão cabrões são os homens. Mas a forma implacável como descartam é-lhes vedada a análise. A mulher é, a mulher não erra. Até os Doors repetem «women are wicked when you are unwanted.» Que pecado pode um tipo cometer que justifique tal tratamento? Apenas um, ela perder o interesse por ele, ou achar, evolutivamente, que consegue arranjar melhor. Portanto o interesse é sempre instrumental e condicional. Isso até se compreende, mas o que custa a aceitar é que a mulher, em quem projectamos o mesmo nível de inteligibilidade que achamos ter, não tem qualquer argúcia moral para análise rigorosa do seu comportamento. Não precisa de introspecção profunda, existe sempre um conas a dizer que ela é o melhor do mundo e arredores. Só aqueles que era após era são obliterados pelo normal correr dos abandonos, são forçados a analisar-se profundamente. Sei de uma que matou o filho de outro, como se fosse a solução mais lógica e sem dar cavaco ao detentor de 50% do código genético que ela não impediu de entrar nos seus gâmetas. Os homens para as cabras, não contam para nada. O corpo é meu, dizem, mas o esperma que cai lá dentro passa a ser delas também. O homem fica reduzido a depósito dador de cromossomas mediante estimulação adequada. Elas decidem a cópula, o nascimento, e até o compromisso, pois o estado força, supostamente pelo bem-estar da criança, que o homem pague pela decisão da mulher em dar à luz. Cada mulher é uma pequena imperatiz que controla o seu poço de petróleo, e regula o preço do combustível, a seu belo prazer. Conheço outra que não perde uma manif, contra a exploração ocidental, gravando sempre com o seu iphone. Nas alturas em que mais precisei de mulheres, só as da minha família me valeram. Após uma ruptura dolorosa, em que precisava de filosofar com alguém acerca do sentido da vida, a Lena achou que o convite para café era para possível tentativa de engate da minha parte. Não se importou de me imolar na sua hierarquia de prioridades, sob o preconceito – que entendo – de que qualquer homem está sempre à procura do mesmo, negando a humanidade ao género oposto, se nele não tiver algum interesse. Dos meus colegas de Filosofia, não tinha confiança com a Marta (que deduzo que reagiria da mesma maneira) e o Gonçalo andava lá nas cenas dele, e para ele é tudo muito certo e dado. Boa parte deles aderiu a uma ideologia burguesa, longe da agónica que assumo. Assuntos que me interessam, enojam a maioria, tão convencidos de que usam espírito crítico, sem alguma vez questionar o símio evolutivo que vive cá dentro, ou aquilo que o homo faber deixou ao longo do tempo. Melhor discurso que as polidas narrativas da historiografia de arquivo. Restou-me engolir. Claro que tinha outras pessoas com quem debater estes tópicos, mas não com a mesma profundidade. Por ser portador de pénis, sou reduzido a ente que o quer enfiar em todo o lado. Porque sou homem, posso ser fodido num fim-de-semana e descartado na segunda-feira, afinal um homem a sério não sofre e é forte e não chora e só pensa numa coisa. Paga-se então o dolo com meia dúzia de dvd’s e livros que já não se quer. Imola-se de novo o alvo, com justificações a posteriori, encontrando nele, os defeitos que se procuram e encontram, para lixiviar o comportamento de partida. Pessoas que passaram anos connosco, na nossa vida e que nem um 'olá tás vivo' merecem. Arrumados a um canto do esquecimento, como animais de estimação que outrora eram o centro consecutivo das atenções. Não Jenny, o desequilíbrio no mercado sexual, trouxe irresponsabilidade total às consequências das acções femininas, no que concerne aos sentimentos das suas conquistas. 80% dos divórcios são iniciados por mulheres, o que mostra que os homens preferem cozer a sua felicidade em lume brando, a largar relações infelizes. O mulherio aproveita-se da Biologia feminina, a capacidade de cortar emocionalmente com o parceiro prévio, sob auspícios de um melhor no futuro, capacidade essa desenvolvida por causa das guerras entre tribos em que homens e rapazes eram mortos pela tribo vitoriosa e as mulheres mantidas vivas para que servissem de incubadoras da próxima geração vitoriosa. Mas negam e tentam anular a Biologia masculina, dizendo que é tóxica. Tóxico é violar o outro com a imposição da ausência. Da sua instrumentalização, seja por ter um corpo bonito, ou dar jeito em determinadas alturas, ter alguém que mostre ao mundo que a coisa está encaminhada. Essa ideia que se passa do homem bruto e das cavernas que oprimia meio mundo, é só mais um exercício de poder que visa anular a responsabilidade que é devida. Quando começo a falar assim, algo toma conta de mim, e observações esquecidas voltam com clareza. Jenny e Eve olhavam-me, como quem olha macacos no zoológico. Eu já sabia o que viria de seguida…quem me magoou…como se a única expressão de inteligibilidade que um homem pode ter, é emanada de trauma emotivo e não de fria observação da sua própria experiência. «-Who hurt you?» disse Jenny. «-You, with your tongue out of my mouth.» Sem demora, beijou-me sofregamente. Ao fechar os olhos, ouvi a Eve pegar nas coisas e ir-se embora, tropeçando num daqueles pinos que com correntes impedem estacionamento. Jenny levou-me para um 3º andar defronte do Pavilhão Chinês onde eu e Susana partilhámos uma pastilha. O pai da Jenny havia-lhe oferecido. O chão com soalho flutuante, rangia antes de se chegar à cozinha exígua passagem entre sala e um dos quartos. Imitava carvalho velho, tom de pele bronzeada, diferente daquele que eu festejava, cobrindo com um lençol, antes de me esgueirar pela porta, com as chaves do carro na mão, recebendo o orvalho cacimba da madrugada.
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