«-És um porco!» Chateava-me a falta de originalidade. «-Tu não sabes tratar uma mulher, e eu devia estar louca para te dar o meu corpo, mas foi só isso que tiveste, nada mais, quem eu realmente amo, abandonou-me no passado, tu és só mais um merdas com quem me entretenho para me distrair.» Ao ouvir isto, ganhei-lhe mais respeito e apreço, não é frequente as pessoas serem honestas umas para as outras. E ela só o estava a ser porque se esgotara na sua cabeça, o repertório de insultos que me fariam reverberar de vergonha. Pila pequena, frouxo, mole, não masculino, palhaço, etc., todos os insultos que visam alfinetar o nosso âmago, e que por os conhecer já os sabia como isso, lanças para magoar. Elas também percebem que esses insultos só são eficazes quando temos 18 anos. Que com o tempo se vai ganhando calo, e que por isso os insultos também têm de ser melhores. Isso exige criatividade e inteligência, muito mais que estas gajas de Tinder estão dispostas a facultar a um gajo que apenas querem que as gabe, valide, e tenha tesão a pedido. Comecei-me a rir e ela pergunta-me se estava a gozar com ela, e eu respondi que o gozo com ela era algo de muito difícil de atingir. A sua vontade era bater-me mas sabia que levaria o troco. Limitou-se a olhar-me com os olhos vermelhos. Via no seu rosto ter-se arrependido de ter queimado as pontes, de ter cortado de forma radical as possibilidades de envolvimento futuro, pois essas portas abertas eram o que lhe permitiam vingar-se de mim de forma mais requintada. Assim havia exposto o seu jogo e eu estava preparado para ele, dessensibilizado. No perfil de Tinder dizia que valorizava a honestidade. E eu havia sido honesto, dizendo que a nossa brincadeira não duraria mais, e perguntou-me porquê, e eu disse que ela não era o que eu procurava, que me sentiria melhor com alguém capaz de se relacionar com outro sem uma agenda própria, que reflecte uma ideia precisa de como o mundo funciona, onde somos meros autómatos limitados pela capacidade de incompreensão que temos todos, de saber o que é a ipseidade alheia. E como não sabemos o que é, não conseguimos, achamos que não existe, ou que a existir, toda a dimensão emocional do outro é sua responsabilidade. Os seus gritos em torno de mim não me afectavam, ao contrário das restantes pessoas no restaurante, que nos iam observando tentando fazer a ideia do que se passava entre nós, da situação, e sentindo-se bem por serem pessoas normais e com vidas normais ao contrário de outros que gritam nos restaurantes e fazem peixeiradas identificáveis com a plebe. Um acha que a culpa é dela, outra acha que fui eu que cometi alguma ofensa. O normal. Grita-me de novo na cara, sinto as gotículas de saliva a esmagarem-se contra meu rosto como indicadores de raiva. Desde que não me toque está-se bem, isolo os ouvidos e levo-me para outro ponto melhor, onde encontro o que procuro, a fantasia inatingível da alma gémea, onde o apreço de um por outro é totalmente reciprocado. Essa é a total fantasia dos homens conscientes, que sabem que são eles a verdadeira potência de amor idealizado. A fantasia de encontrar uma mulher cujo apreço por nós seja tão incondicional como o nosso amor. Claro que não é. A natureza não programou assim, és o maior quando tens valor utilitário, quando és desejado por outras, ou quando dá jeito estares por perto. Ao sair a porta deixou entrar uns raios de Sol. Os outros no restaurante olhavam-me à procura de sinais de fraqueza no meu comportamento, que lhes justificasse as ideias feitas sobre a situação. Apreciei o sabor extra amargo da India Pale Ale, e deixei que meus olhos se fecundassem com a luz breve do astro rei.
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