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Se já fosse...

19/6/2021

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Estava já tão feito à ideia de morrer velhinho ao teu lado, que já via a amante Morte lá ao longe, mas segura, caminhando para nós de mansinho, como a casa de amigos domingueiros quando vamos fazer um churrasco de Verão.


Já não me importava com os teus pés frios no Inverno, que às vezes sabiam tanto a chuva por parecerem molhados, e até sentiria saudades de te agarrares a mim com força, para te aqueceres nas noites frias já que eu destilo calor.


De me lembrar a ver-te procurar no rádio do carro, as músicas da moda, que cantarolavas baixinho nas viagens longas que fazíamos. Entretida a viver o teu tempo sem pensar na eternidade, e o tótó que sempre sou, de só pensar nela e não me conseguir entregar ao momento, que é a mentira mais verdadeira que temos. Também assim a foder como se o teu corpo fosse uma ardósia onde esgravato com o giz vezes consecutivas na esperança de perder a vontade de escrever, para ver apenas do outro lado uma cara de já chega não?!, ora ofendido ora triste por não me acompanharem nesta fuga cá minha.


Mas depois lembro-me das caras de enfado, de que nunca nada está memorável para ti, dos trejeitos no teu olhar que telegrafam o que estás a pensar, as caras de impressão quando vês os meus tios discutir, ou a sujidade escorrendo pelas paredes das casas de famílias pobres dos subúrbios. Como se fosses tão melhor, ao que não te censuro de todo, cada um de nós não tem que se contentar com nada inferior, com gente encalhada na vida, à espera que as vagas vão desfazendo o costado até já só ficar o esqueleto do navio. Claro que todos só queremos o melhor, o que os outros desejam ou dizem desejar, e quando perdemos o respeito a quem amamos, deixamos de amar. E esfregamos o seu cabelo censurando que o mesmo tenha caído com o passar dos anos, a barriga gorda que se vê parida pelo abrandamento de metabolismo, ou todas as outras formas que encontraste para me desqualificar sem me teres guardado sequer uma migalha de respeito.


Que tivesses de desfazer a tua ilusão para poderes passar a outro, isso ainda entendo, mas cuspires no prato onde comeste, só por estar de barriga cheia, é algo de alguém sem carácter. Não é o teres ido à tua vida, mas a forma como lidas com as pessoas quando já não as queres, isso é que é sombrio. Eu que tanto te elogiei o carácter, só por estar cego ou fingires bem, vejo agora com a mais profunda das certezas, que é tudo uma farsa.



E depois do tempo que passou, sinto tantos remorsos de te ter usado para fugir, que quase choro por não te ter dado mais amor, apesar da puta que no fim foste para mim.
 
Não posso dizer que me tenha surpreendido, sei isto desde a adolescência, e por isso interiorizei que nenhuma mulher iria estar comigo que não fosse pela minha companhia e não pelo que eu tenho ou deixo de ter. E a resposta é clara, o amor que acreditava ser incondicional, é tão sonho como aquela vez em que nós dois andámos uma hora de mão dada à chuva no meio de uma multidão em Paris, na Rue d’Assas.


Sei que agora vives a desilusão que criaste e reforças a boa escolha feita.


Estávamos os dois caídos num aquário redondo, degradando-nos continuamente, sem saber onde estava a porta de saída. Sem nos queremos magoar um ao outro, e eu sem a coragem para fazer o que há muito sabia ser o melhor para mim.


Pois, disso assumo toda a culpa, da falta de coragem, ou auto estima, que vai dar ao mesmo.


E assim, nesta esplanada em Copenhaga onde como um bolo com uma cerveja em vista para um canal que leva ao porto, onde as águas se incomodam à passagem de um barco, e onde as campainhas das bicicletas pasteleiras substituem o chilrear lisboeta dos pardais, escrevo uma carta de desamor para ti, duas horas depois de ter lambido a boca de uma prostituta chamada vida, que nos dá o prazer da distracção contra o pagamento da nossa inocência.

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