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Semi-

1/10/2019

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Eram onze da noite e ouço o tom de mensagem de Whatsapp.
'-João bora beber umas cervejas.»

Mas que raio.
Cinco meses após eu terminar um envolvimento de um ano, aqui tenho de novo a mesma pessoa a querer 'falar'.
Como nunca nego diálogo a ninguém, acedi.

A desculpa era para eu aferir se de facto aquilo que lhe havia dito uns meses antes era mesmo assim e não sei quê.
No fundo, estava a pesar, como na balança que o judeu de 'O mercador de Veneza' queria usar para pesar uma onça de carne, se eu seria alternativa viável ao recém promovido ao meu lugar, que a desiludia em alguns aspectos.

Numa escala como as que guardam os pesos nos ginásios e fit albergues, estava a verificar qual seria o peso que poderia usar sem rebentar a musculatura.

E fazem isto com uma candura e ingenuidade que me deixa sempre desarmado. Elas acham de facto que os gajos comem gelados com a testa.
Eu penso que é porque existem muitos que comem com o sobrolho. 

«-Epá ó Andreia, quando vires a tua tia manda-lhe um beijo meu.»

Andreia era orfã, tinha um irmão, ambos criados por uma tia paterna, muito simpática e que gracejava comigo e eu com ela sempre que nos víamos.

«-A minha tia não gosta de ti.»
«-Porquê?»
«-Por causa do que tu me fizeste.»
«-Mas que raio te fiz eu senão o que toda a gente decente faz quando não consegue estar com outro, afasta-se.?!»

Imagino o que foi dizer de mim, para lavar a sua própria imagem.
É uma coisa curiosa, quando demonificamos o outro, torna-se fácil vermo-nos como anjos.

Se calhar é isso, afogar o abismo com sangue alheio.
Eu percebo a dinâmica e vejo fidedignidade nessa possibilidade de resposta.

Percebi também que a rejeição lhe tinha ficado engasgada.
As mulheres estão menos habituadas a ser rejeitadas.

Fiz-me interessado, tentei beijá-la, e afagá-la. Confessei-lhe um amor eterno constrangido pela inadequação da minha personalidade.

Foi nítido o alívio nos seus olhos.
Não só conseguira desqualificar-me a seus olhos como devolver-lhe um pouco de dignidade e amor próprio.

Mas tinha sido muito fácil. Precisava de mais umas provas do meu sacrifício, para ficar convencida que de facto tinha ascendente sobre mim, e que portanto ficara por cima.

Oh amiga, se é por isso, pensava eu.

Tentou oferecer um trato, eu dava-lhe atenção não sexual, e ela podia despejar tudo o que lhe apetecia, em particular falar mal do outro que a iria traçar à noite.

Eu seria o tampão emocional, o satélite em torno da sua órbita.
Declinei gentilmente o negócio. E insisti nos meus avanços.
De molde a levar a um ponto de ruptura fictício para mim.

Fui convincente, e ela revelou-se. A sincronia e extensão das suas respostas e atenção revela claramente uma espécie de desprezo, de despeito até, que evidencia sem mascarar, que estou numa elíptica muito afastada do centro. Era só o biscoito, passo a expressão, que viera buscar.

Tendo-o, mostrava quem era.
Tal como Célia e outras assim. A última da Célia é que queria que lhe fizesse um trabalho para uma cadeira de faculdade.

Antiga muito mente, eu iria ao espelho, verificar se tinha gelados no sobrolho, pois não entendia a completa cara de pau de algumas cachopas acharem que conseguem fazer este tipo de tropelias comigo.

Agora sei apenas, que com todos os meus defeitos, e mesmo sendo um malandro de primeira, dou dez a zero a boa parte delas, em questões de ética.
Não me estou a fazer bonzinho. 

Mas estas bacanas que conheço, na faixa dos 35 para cima, ou estão queimadas da cabeça, ou ficaram paradas no tempo com as técnicas de sedução da puberdade.
E os joguinhos? O que me rio e partilho com amigos para nos rirmos todos - para não chorarmos - dos joguinhos que fazem, a ver se captam atenção e perseguição, e validação. Uma incongruência sistemática, a nível lógico, que sempre que exposta, se esconde debaixo de um argumento emocional, ou seja, não é argumento, é um capricho com pele de argumento.

Imagino a cara dela do lado de lá, rindo-se achando que me confundiu. 
Entre gajos, um que continuamente não faça sentido no que comunica, passa a ser encarado como chato, esquisito.
Se for uma mulher, são subtextos e é misteriosa. 

Andreia e Célia sabem disso, associam subtilmente a sua conversa comigo a uma promessa futura de pito, se e somente se, eu jogar bem as minhas cartas.

Gostava de poder voltar atrás, uns anos, quando ainda me conseguia entregar a estes jogos, acreditando neles.
Agora não. Agora só me pergunto como só me envolvo com pessoas que talvez sejam um reflexo da minha própria maleita existencial.
Dos meus demónios.

Pergunto-me se de facto serei louco, e coloco abertamente essa possibilidade, mas depois confiro que é sinal de sanidade, podermos considerar estarmos loucos.

E não há uma, uma única, que me surpreenda, é uma monotonia constrangedora que começo a formular a possiblidade de que as mulheres que têm entrado na minha realidade pararam todas de evoluir, ali pelos vinte anos. O que me levanta a questão, quem tem caído nas ciladas? Sobrolhos sorvedores de sorvetes?

Então bate-me.

Elas também se espalham todas ao comprido.
Tanta solicitação e tanto rato de laboratório onde experimentar, é indiferente se matam este ou aquele, o stock nunca acaba.
E o mundo é a sua ostra.

Mais uma cliente que foi para casa com o ego remendado. 
Cuspindo de alto para o meu ego, como nunca disse ser possível fazer.

Fico apreensivo, quando encontrar uma tipa normal, saudável, vou achá-la diferente.

Se o mercado da carne fosse empresa, eu era o empregado deste mês.

'No good deed goes unpunished.'


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