Fui a Pombal buscar uma máquina de costura, que alguém vendia barato, por fecho de actividade. Dá-me mais prazer limpar e fazer a manutenção minuciosa dos equipamentos, que propriamente a função a que se destinam. Cheguei antes da hora e após a transacção, enquanto falava com o casal que me vendera o equipamento, reparei num cão do outro lado da vedação, imóvel a um Sol inclemente. Só a custo reparei que não tinha olhos, comidos pelas moscas e pelos corvos. Notei também que era velho e o cadáver estava gordo, mas ainda assim, fiquei a olhar ostensivamente para as pessoas que em frente ao cadáver, nem pareciam ter consciência do mesmo. Que merda de morte, passando horas sem alguém saber que se é morto. Não cheirava mal, pelo que o cão morrera recentemente. Não sei porquê, não mencionei directamente o caso. A empresa que fechara portas era uma empresa de caixões e a máquina de costura servia para costurar as imitações de seda e veludo das caixas onde se metem os mortos. Em frente à fábrica, havia uma outra de lápides, e pelo que me apercebi, toda a especialização naquela zona, na Guia, era a indústria da morte, de todo o tipo de apetrechos e liturgias em torno da mesma. Eu não sabia se o cão era deles ou de um vizinho. Mas sabia que me queria vir embora o quanto antes, dali. Um pouco antes de Peniche, toca o telefone, e uma Sheila com quem eu andara a trocar mensagens, marcava um encontro. Pela altura da minha conversa pouco convencida, sabia que se não alinhasse no encontro, mesmo não me apetecendo, a potencial cachopa, cortaria comunicação. Anuí e combinei às 20H30 em frente ao Parque Urbano. Pelos vistos agradei-lhe, pois não arranjou nenhuma desculpa para se ir embora, e fomos falando até às 2 da manhã, já dentro do meu carro porque entretanto a noite ficara fria. A mesma conversa de sempre, sobre a excepcionalidade do seu carácter, e o olhar de enfado quando digo que as redes sociais tornaram os telefones das mulheres, em sacos de pilas, e os homens em comodidades. Começámos nos beijos nas bochechas e eu rapidamente evoluí para tentar beijar a sua boca. Tenho um dente do siso para arrancar e calculo que a minha boca cheirasse pior que um cão morto. A pergunta que mais fazia era se eu me sentia atraído por ela. Tanto o repetiu, que por compaixão, lá lhe fui enchendo o ego, como se fosse um pneu recauchutado. Claramente precisava de sentir-se desejada por outro, para se sentir bem consigo mesma, e poder lidar com a passagem inexorável do tempo. Estávamos a despedir-nos um do outro há uma hora, quando ela sai disparada do carro, e noto que de costas, no seu vestido vermelho, havia uma enorme mancha de algo molhado. Foi-se embora no seu carro a todo o vapor, sem olhar para mim que como cromo, dizia adeus para o éter. Bate-me de repente, que se tinha o vestido molhado, como estaria o banco. Olhei para o banco e uma enorme mancha de humidade, escura no banco escuro. Que caralho era aquela merda? A minha primeira ideia era de que seria algum líquido orgasmático decorrente de eu brincar com a sua orelha na minha língua. Passsei dois dedos e cheirei. Era inequivocamente, urina. Mijara-se no meu carro sem qualquer justificação que me ocorresse.
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