Crazy (letra)
I remember when, I remember, I remember when I lost my mind There was something so pleasant about that place. Even your emotions had an echo In so much space And when you're out there Without care, Yeah, I was out of touch But it wasn't because I didn't know enough I just knew too much Does that make me crazy Does that make me crazy Does that make me crazy Probably And I hope that you are having the time of your life But think twice, that's my only advice Come on now, who do you, who do you, who do you, who do you think you are, Ha ha ha bless your soul You really think you're in control Well, I think you're crazy I think you're crazy I think you're crazy Just like me My heroes had the heart to Lose their lives out on a limb And all I remember is thinking, I want to be like them Ever since I was little, ever since I was little it looked like fun And it's no coincidence I've come And I can die when I'm done Maybe I'm crazy Maybe you're crazy Maybe we're crazy Possibly I Cara e coroa, primeira parte. Quando era novo tive sorte. Descobri, por acaso, o livro da minha vida. Eu e meus pais, havíamos mudado recentemente de casa, e no recheio vazio descobri um velho e amarelo livro como as solitárias asas de traça que o habitavam. «Destroçado» era o título, e José Mendes encarnação o autor. Mais que uma história corrida de episódios eróticos era a história sentimental de quem a contou. Em dois anos, o tempo que demorou até que o famoso livro se transformasse em pó, não li outra coisa. Apaixonei-me pelas paixões na primeira pessoa. Gelei com as desilusões. Jubilei com os prazeres como se fossem meus. Acima de tudo deixei-me cair no caldo profundo da psicologia em jogo. No abismo profundo da alma humana. A primeira frase do desaparecido livro, é uma frase tumular. «Sempre tive a maior das facilidades em fazer apaixonar e desapaixonar, nunca amei.» Revirei até hoje, que velho e amarelo já estou como as asas das traças, todas as implicações e consequências, possibilidades desta frase. Com o meu sangue e com a memória. Corri os amores da adolescência com uma confiança de atleta, ombreando com o autor do livro que tanto me impressionara percorrendo mulheres à procura dos gastos pedregulhos que formam o caminho. Sinto agora que este livro sempre me protegeu, salvando-me com suas mãos descarnadas para fora do absoluto, onde seria desfeito pelo desgosto e evitando-me o relativo, onde aprenderia apenas o insípido. O autor sabia. É inútil escrevinhar teorias acerca da mente humana. A Natureza não é apreensível senão por meio de um sonho mentiroso. O autor sabia que seduziria o imberbe mancebo leitor em sonhos de fantasia de suor doce pueril e nocturno, em teorias vigorosas, mas que no fim da caminhada estaria o sorriso de olhar para trás. Levado à letra, amor não é senão arsénico. Misturemo-lo com doce vinho da terra. Que tarefa deliciosa e inútil…falar de amor. Toda a gente quer falar de amor. É o sonho mais doce da promessa de ninfeta à matrona mais anciã. Varia o grau de entrega. Quem não dá o que tem, perde o que não dá. Agora que o meu sexo é defunto, e o meu apetite amarelo como as asas de traça, resta-me o conforto de veludo da rememoração. É porque sei que nada é eterno senão a eternidade, que consigo perdoar com lágrimas nos olhos e amor incondicional todos os pormenores que lembro de mágoa e alegria. Perdoar, que arrogante, vejo agora. Que privilégio ter privado, sentido, pensado, tudo o que me foi dado, antes de jazer no quarto escuro do esquecimento. Que brilho fascinante do pulsar. Descobrir o género humano através do amor, ou da falta dele. Amor, palavra pirosa que dizia por mimetismo, mas cresceu em mim, como música pimba que se ouve pela primeira vez. Começou pelo canto da boca contra o Sol poente. II Pela alma. Sangue e esperma. Tinha-los espalhados pelo interior das coxas, no baixo-ventre, no peito, e até nas mãos. A noite havia ardido como pavio no arfar dos corpos ofegantes, e agora…já só restava a indolência das gónadas vazias. Os primeiros sorrisos amarelos da manhã indecisa despontavam pela janela. As manhãs de Verão são quentes e acompanhadas pela esperança de que duas horas antes do meio-dia ainda esteja fresco o suficiente para não suar. A pele pegajosa e exausta pede por água, mas ao sentir outro corpo desnudo encostado a si, transmite impulsos muito profundos além do véu da razão, que despertam em surdina e em quarto crescente o desejo da cópula. Na sua anca minha mão coloco, puxando-a para mim, e sei que é na boca que devo começar para acabar no frenesim menos original de todos, que desejo. Todas as bocas cheiram a vida presa de manhã. Arrancada do sono com a promessa de mais prazer, ela volta-se inconscientemente contente, por ver-se mais uma vez desejada. III Há um Sol do anonimato a quem ninguém escapa. Às vezes só damos por ele, quando alguém vagamente conhecido morre, e essa pessoa ao cair sai da posição entre nós e o Sol, e é só quando ele, o Sol, nos começa a queimar a cabeça e a pele, que damos pela existência do outro, e mediatamente, que também podemos morrer. Antes que consigamos dar pela falta do outro, só pela falta que a sombra útil dele nos faz, já suspeitamos e viramos a cara ao facto de que dê por onde der, o tempo da nossa existência é um tempo para a morte, um contra relógio a favor do tédio. Uma dança de línguas é uma orquestra sem sentido. Tédio. É a suave dialéctica dos colhões e do cerebrelo. «-Livre.», dizem eles…só os castrati são livres. Cantam ópera e os colhões nunca enchem. Tal como a onda,que vem antes e depois de outras anónimas ondas, e se desfaz anónima na areia, e volta anónima e com o rabo entre as pernas, submissa para o lugar de onde veio, também os colhões enchem até nos povoarem os sonhos e sair pelos ouvidos, tal como crescemos arrogantes e confiantes, amadurecemos desconfiados e envelhecemos sentidos. E a nossa razão pináculo civilizacional, orgulho bacoco, ou nega o corpo ou deixa-se perder pelo desejo do desejo. Sou capaz de estar no meio das pernas de uma mulher e dizer que a amo, e cinco minutos depois não lhe consigo olhar para a cara, tal é o poder em mim, da força da vida. Esse é o peso, a sombra do anonimato sobre qualquer amor futuro. Olho eu para os olhos de Susana, com os corpos molhados de suor dos nossos corpos, e o feno húmido da tépida chuva ancestral, a trovoada que ao longe compete com o canto da cigarra. Mascamos folhas de louro, fazemos uma coroa e planeamos amor futuro, sabendo cada um em si que os olhos brilhantes de um no outro são os falecidos no porvir, fazemos amor no feno, corro nu pela terra quente recém arada e ejaculo num sulco de terra negra onde me deitei de barriga e braços abertos e agradeço orando a Gaia tudo o que me deu, dá e dará. Susana realmente ouve o que digo, não espera que me cale para continuar a falar. Sabe que estou infectado de anonimato e morrerei de tédio. IV Quando penso em ti com mais força, sei que é porque estás a pensar em mim. Em relação a ti, tudo o que seja menos que tudo, para mim é nada. O teu cheiro o teu sabor a tua língua os teus braços. Lembro-me desses momentos fugazes como lágrimas na chuva. Tenho post-it’s espalhados pela casa e no pára-brisas do carro, lembretes para não me esquecer de respirar. Copo atrás de copo, bebo este whisky tão velho como o meu amor, na esperança que após engolir o sabor da tua boca já não esteja na minha, debalde…como fantasma residente que se recusa a aceitar que morreu. Escrevo-te e para ti escrevo. Escrever é um minete que te faço, preciso de fazer, gostas de receber. Despidos, na tua cama, mascamos folhas de louro, fazemos duas coroas, e coroamo-nos funebremente como rei e rainha de uma timocracia de paixão. Na praia perto de tua casa apeteceu-me mergulhar na água, orgias de mosto e fetilidade. Desejei erguer um templo assim mas vivi apenas à sombra de uma forca no pelourinho. O ocaso levou-te para longe de mim e a sombra do infinito veio fazer-me frio de novo quando entrava em casa, em Lisboa, pela 25 de Abril. V Bestial idade. Sodomizar esta moça que geme de prazer agarrada às almofadas, é o único motivo de me encontrar aqui. Correndo atrás da novidade de inserir meu falo no orifício primo da vulva a que esta moça não se opõe e com vontade adere, vejo-me agora pensativo neste frenético momento rítmico de sodomização. Orifício sui generis este, que me presenteia com alguns aromas sazonais do interior da toca. Não posso com ela e só estou aqui para me oferecer de novo à experiência na esperança de que surja algo de novo para mim debaixo do Sol. Ao envelhecer torno-me calculista olho para a mulher objecto de desejo objecto de sexo objecto de adorno. Este calculismo enfraquece a pujança de sermos uma força, o tempo a vida vicia-nos, faz com que acalentemos as manhas. Falta a força desenvolve-se a astúcia podre. Perco o viço e atraiçoo-me na minha anterior pessoa de criança. Há quem lhe chame crescer e aprender a gerir recursos, há quem diga que é desejar o absoluto com forças relativas. Ceder, eu chamo-lhe ceder. Ceder a tudo o que é mundano, mesquinho e fraco, autênticos contorcionistas morais, autóctones do cinzento, vivo com a minha essência projectada fora de mim, no reino do esquema do calculável do sonho adulto reactivo onde as lacunas sexuais do adolescente se tornam florescentes obsessões do homem maduro. Fecho-me neste mundo de fantasia e afasto-me dos outros que se afastam de mim. Talvez seja eu um mau homem, ou um homem sem escrúpulos, talvez seja resultado da nossa época que reduz tudo a uma relação de lucro ou prejuízo. Isto é um certo tipo de dependência que avilta, pois queremos algo que o outro tem, queremos tudo, mas algo apenas nos chama. A sofreguidão mecânica revela a tal ânsia recolectora de experiências em intimidades alheias, não sou um cemitério ou biblioteca bafienta sou um célebre jardim onde se relembram os frutos do passado. Sou um cemitério. A vida não continua após a morte quando eu queria que a vida vivesse para sempre, só fora do tempo vale o tempo a pena. Apaixonados de nós numa projecção no futuro. Não consigo viver no deserto da incerteza nem num baldio de certeza a prazo. VI A fumar um cigarro, alternava os olhos pela parede e pelas folhas das canas plantadas em frente da minha casa pobre de subúrbio. Não consigo dormir, e só recordo a minha comunhão com a Natureza quando era miúdo, e me espojava nos tufos de erva sob o Sol quente e simpático, a olhar o azul do Céu tão azul e cristalino que me fazia lacrimejar, nos braços da minha materna amiga Terra. Ouço-lhe agora a voz no abano das folhas laminadas dançarinas de um ballet russo ao vento e melancólico, fora do tempo. Este vento promete Outono, em princípio de Verão. Lembra-me os Outonos passados, quando era miúdo, quando ansiava pela novidade, por voltar a vestir os casacos de molho que esperaram meio ano, para voltarem a abraçar as costas de alguém. Lembro-me do passado e encho-me de volúpia, porque o que não volta dá sentido épico à vida, e este vento soprou há milhares de anos e se o Criador quiser continuará a soprar. Dá-me sempre vontade nestas ocasiões, de ir nu sentir o vento acariciar-me sentir a temperatura o cheiro sentir a presença do que me envolve. Novamente volúpia, pelo fresco que não frio, a força vital manifestando-se sem mediações, o prazer da Natureza, que sinto, manifesta-se nos testículos que se encolhem couraçando a pele. Diminuem, tornam-se humildes, e com a diminuição das gónadas torna-se o espírito maior e anseia como desde sempre a fusão com o Todo. Menti-te, não estou a fumar. Eu não fumo. Estou sentado a escrever. Mas o cigarro por vezes também te relaxa, para fazer meditar asfixia o fresco, que só sentirás nos tomates ou na vulva, ou em ambos, conforme o caso. Mas o fresco foge-te do peito e da alma, o cigarro não deixa o espírito voar com o vento, prende-te na carcaça velha da nicotina a fazer das dela mesmo por debaixo dos olhos. Numa carcaça velha de uso e tempo, a que alguns chamam de autocarro, ouvi-mos: -Acabei com os machistas…Golo! -O Shéu e o Damásio, Golo! O embalar do movimento nas curvas leva a que batas com a cara no ar trespassado a cheiro de suor entranhado dos cortinados verdes, onde durante o dia as cabeças se escondem do Sol quente e nada simpático, e durante a noite dormem, transformando o pano em improvisada almofada. Adivinhamos o vómito lavado no chão que se enrola com um cheiro a bagaço, que espreita pela garganta do senhor, e retorna à toca dentro do seu peito. Seu after shave também navega por ali, sendo bem mais alcoólico que o álcool. -Andei na OTA a seguir, …Golo! Golo! A diáfana luz que não compete com os candeeiros laranja lá fora torna ainda mais este purgatório migrante ainda mais decadente e desgastado. -Economista – Golo! Olha para ver se alguém lhe acha graça, ou presta atenção. Olha tu também. Tem para aí quarenta ou cinquenta anos, bigode à velha guarda, hálito a cota do bagaço, cheiro pessoal geral a Macieira, perfume barato, pele velha e roupa limpa. O boné vermelho, juvenilmente transvestido, contrasta com a austeridade do bigode. Podes ver a pulseira desmesuradamente grande no franzino braço moreno. Ténis da praça de pseudo marca mimética no nome, calças cor de leite, já com muito pouco café. Cola autocolantes do aeroporto nas janelas e deita os papeis para o chão, mostrando ou querendo mostrar – o que achas? – que andou na barriga do pássaro de ferro. Foi o Sol, ou o bagaço, que o comeram por dentro? O que achas? Entretanto fumo um cigarro na companhia de bancos estropiados por mãos de adolescentes, também elas bailarinas russas de um ballet de assinaturas hieroglíficas. Só estradas e prédios. Os suburbanos, inóspitos habitantes destas paragens, descarregam a nau dos loucos, ordeiramente, e rumam em direcção aos lares entardecidos, deixando no autocarro a sua lembrança codificada em aromas de óleo gasto em batatas fritas testemunhando a gordura que acabamos por sentir nas mãos. O boné vermelho tem escrito ‘SPZ Centro’. Olho para cada paragem, antes de também eu rumar ao entardecido lar, para apreciar o mulherio que vai pernoitando. Entra uma aparentemente boa, não dá para ver se tem a carne rija, ou se é mais um milagre dos panos. Desdentada dos incisivos, enverga uma camisola leopardo de cetim onde se adivinham os mamilos, esses sim, rijos. Outro dia, outra gaja. Com fios de cabelo que parecem um sedoso tecido colado ao crânio, caem em cascata para dentro de um elástico de roxa cor espreguiçando-se depois em leque no delta dos seus ombros. As orelhas aconchegam a cascata e um fio de ouro sulca o pescoço. Vivemos rodeados por muralhas porção de gente rodeada por muralhas por todos os lados. Vivo preso numa luxúria que acarinho e alimento. Sou tão anónimo, sabes? Que farás quando me vires agora que te contei tudo?
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