O pôr-do-sol irradiava nostalgia por todos os meus poros húmidos, do banho tépido que me envolvia. Estava de olhos fechados, sentindo no rosto os últimos raios solares do dia e começava a sentir-me verdadeiramente livre de todo o papaguear interior que não cessa, que acumulo e que depois me faz falar em demasia para aliviar a pressão de tanta macacada interior. Comecei a sentir-me íntegro com o meu eu de criança, e com as crenças e vontades nucleares de então, mais puro, cristalino e acutilante em direcção ao que quero. No momento em que uma nova imagem do caminho para a purificação me ia aparecer, a minha consciência foi interrompida pelo estímulo exterior do seu braço em torno do meu pescoço, também ele tépido, e com a tensão do peso do seu corpo inclinado sobre mim para me beijar o lóbulo da orelha, como que me convidando para voltarmos ao leito lúbrico da nossa actividade nocturna, que eu me esforçava por disfarçar, para não passar por alguém que precisa de descanso senatorial. Puxei-a para mim, e ao sentir um quid mínimo de força, sentou-se nas minhas pernas, relaxadas pelo borbulhar da água, disposta sobre a serra algures em Frielas, virado para Poente. Motel H2O ou algo do género. A sua púbis rala e curta, ao esfregar-se na minha, despertou a múmia em suspenso e bastou um beijo bem molhado e pleno de desejo genuíno, não contratual, para que as águas se agitassem de novo tal e qual como o seu tórax na repetição das exalações. Abraçou-me tão ternamente, que consegui repousar a minha face num dos lados do seu pescoço, esforçando-me para respirar, contente por ela se entregar ao meu corpo para retirar um pouco de prazer para si. Não havia nuvens no horizonte, e só remotamente me lembrei que não são elas que se revelam quando deixam de ter interesse em nós, apenas se cansam. Se cansam de representar para nos manterem pegados a elas. Quando perdem o interesse em nós, o esforço deixa de valer a pena e portanto, deixam de representar, voltando ao que nunca deixaram de ser. Um raio de Sol no firmamento, à espera que venha a escuridão. E eu, beijando-a no rosto.
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