A deusa.
O sexo sensível, age na maior parte das vezes, como bully de recreio no que se trata de desqualificar homens que não contam para o baralho. Célia aprendeu bem a lição. Desde a fase em que como cão assustado sai pela primeira vez à rua após um casamento burguês, até agora em que já não cai facilmente em cantigas mais ou menos elaboradas. Desenvolveu até uma certa velhaquice manipulatória que voa sob as asas do vento sempre que visa anular o homem que não respeita. Ciente de que não é o que se diz, mas quem diz, eu sabia que ia ser quase impossível a empresa. Como seria de esperar havia ficado ressabiada com o que eu havia escrito sobre ela. Não gostou de ver-se retratada e recolhe-se sempre no ‘não foi nada disso’. -“Então como foi?”, perguntei eu. Não me sabia dizer, sem enveredar por fantasias cuja narrativa passava sempre pela lixiviação de qualquer responsabilidade pessoal. Fornicámos logo a seguir ao ano novo do ano passado, e desapareceu em presença e em discurso, numa clara tentativa parola de vingança, congruente com o espírito de missão com que abrira as pernas no seu veículo. A mesquinhez com que falava contrariada ao telefone, tratando o interlocutor com quase nojo, por se mostrar interessado nela, contrastava por sua vez com os contos cor-de-rosa que inventava para justificar o seu comportamento. Se da primeira vez o interlocutor tinha algum brilho por ser supostamente, um escritor, desta vez a Célia não cai em brilho distante mas apenas quer certezas presentes. Lidando diariamente com médicos, a classe potencialmente mais arrogante e certa de si do mercado laboral, e enfermeiros, num hospital privado onde o status se mede em euros, não era um escrevinhador que a iria impressionar. A idade não ajuda, pois ela escolhe agora criteriosamente a forma como vai gastar os últimos cartuchos no mercado da carne. Eu seria sempre uma aposta instável, pois apesar de assumir comportamento de sabujo, sabe no fim, que sou indomesticável. Sem que neste caso isso me tenha trazido o resultado de análise pretendido. -"João, estás sempre a analisar-me. Não confio em ti por isso." Respondi que só não faço psicanálise a quem gosto a sério. Não respondi nada, apenas pensei. A táctica dela ficou clara logo ao início, ia atrás da remissão, e a remissão engloba duas facetas, a lixiviação da sua responsabilidade pessoal e a desculpa para uma rejeição mais que justificada sob a desculpa, de que ele não me atrai. Há aqui uma extraordinária acção do eu sobre si, pois ela sabe do fundo do cerebrelo, o que é preciso um gajo fazer para se desqualificar a seus olhos, perdendo qualquer valor sexual e de atracção. Para o sexo que enche as prateleiras com livros românticos, coisas como expressão de afectos, atenção redobrada e prontidão suplicante são acções tão atraentes como um martelo pneumático é para um leproso em estado grave. Enquanto não obteu a confissão de mea culpa, ia prometendo a possibilidade velada de deixar o pito acessível. Bravo Célia! A relativa ingenuidade anterior dera lugar à malícia ressabiada. Após a confissão, merecida em parte pois não gosto de reduzir o respeito pelo indíviduo a partir do tipo de gónadas que possui entrefolhos, não me sentia congruente em retirar uma linha do que havia escrito. O seu comportamento alterou-se completamente, como previa. Para os imberbes, a admissão de culpa parece ser o caminho para uma maior intimidade. Nunca é. É sempre o caminho para um exercício de poder por parte do ‘ofendido’. -“Não consigo confiar em ti.” Podes ter a certeza que não podes. A vulnerabilidade que é pedida sempre nestes casos é em condições determinadas e específicas. É sempre nas condições daquela que tenta disfarçar sempre que a única influência ou poder que tem em relação ao pretendente, é o sexo. Pensando desta maneira torna-se fácil analisar sempre como agirá e como colocará as peças no tabuleiro. A períodos de maior atenção, responde após obter a confissão de culpa, do tipo ya Célia, podia ter agido melhor, com períodos de silêncio. A vítima sacrificial já havia cumprido o desiderato. -“Não posso confiar em ti.” Podes ter a certeza que não podes. O apelo a uma não análise é no fundo um apelo a baixar a guarda. Bem tramados estariam os castelos que caíssem nestas palavras. Tal tipo de troca entre pessoas só pode ser merecida e Célia nunca me desiludiu. Das fotos contemplativas olhando o horizonte numa qualquer praia, tentando expressar uma paz de alma que fica bem em foto, às frases motivacionais ocas e de ocasião, que tentam expressar uma sabedoria de vida que não se possui, se retira um ego frágil preocupado em obter atenção e validação de outros. “Estás ressabiado.” Estou nada ressabiado, irritado por uma falta de originalidade, e por uma categorização da minha pessoa, abaixo da imagem que eu próprio tenho de mim. O clássico, esta pessoa acha-me mais parvo que aquilo que acho que sou. -“João, só com palavras conseguiste dar-me a volta.” Não, não dei volta nenhuma. O teu critério hipergâmico é que era diferente na altura. -“Hã?” Não só alguma vez te dei a volta, como nunca tive verdadeiramente a vontade de percorrer um semicírculo. -“Estás chateado porque não te dou o que queres.” Não, estou chateado porque todos procuramos alguém que nos expie com a sua capacidade de superação. Irritam-me sim os que lambem a hipocrisia propagando aos ventos a sua boa índole, quando no fundo a água cristalina apenas esconde um fundo lodoso. Eu já sei que sou uma charca de lama, mas porra hombre, haja alguém diferente. -“Já olhaste bem para ti?” -“Deves ter a mania que és perfeito.” Não, todos os dias olho para mim, e analiso, pondero, e tento esgravatar toda a dimensão dos meus defeitos. Se disseres que sou um cabrão, peço-te que exemplifiques e se achar que tens razão e assumo. Claro que sou um cabrão. Se não fosse estaria com 100 gramas de chumbo no occipital. Mas não sou o cabrão que te provoca humidade no Equador. Só um que te trucida a individuação confirmando a ti no fundo do teu cerebrelo, a certeza de que és escrava dos teus defeitos, te provoca esse tipo de comoção. O conas que te dá atenção como eu por exemplo, só serve de espelho para essa opereta de que foges, a de que és incapaz de auto análise, dizendo querer algo que pensas que é o que queres, mas depois o que realmente queres é o que te confirma a ideia cem vezes afogada de que não tens personalidade, entendendo personalidade como o acto de se ser senhor de si. -“Estás a dizer que sou má?” -“Só porque não quero ir para a cama contigo?” Mas eu lá alguma vez teria capacidade de avaliar o bem e o mal de alguém. Não, só te quis mostrar que aquilo que negavas na minha visão de ti, não pode ser negado porque a isso não tens acesso, tanto quanto um mitómano à origem da sua mentira. -“Foda-se João, tu és um monstro. Fingido, és uma má pessoa.” Talvez. Mas não é de mim que estamos a falar. É de ti. E de quantos levam a sério literalmente, o que sai da tua doce boca, deusa. Se soubessem que o canto da sereia, caso Ulisses não estivesse amarrado, é um canto irresistível só com um refrão vaginal. Só com palavras? Nem podia ser de outra maneira.
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