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Títere

18/11/2020

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Ela liga-lhe, e o até agora homem dominante que parece tratar o mundo e as coisas com a certeza inabalável da sua convicção, encolhe-se sobre o seu umbigo, meio para forçar uma voz carinhosa, meio para esconder os meus ouvidos tal visão partilhada. Esconder a fofura ardilosa com que fala com a sua respectiva, por contraposição com aquilo que quer que eu pense dele.
Como não ver nisto um peso, só pelo facto de se ser homem?


 
A esposa inicia a conversa, que não consigo deixar de ouvir, por causa da sua proximidade. Não quero ouvir, mas quero menos sair da mesa para evitar ouvir algo que não me diz respeito. Fico na ponta da mesa redonda de tasca, olhando o horizonte da várzea, e o pires de tremoços demasiado salgados, e ordeno à linha de pensamento que se debruce sobre algo que me distraia da conversa que eles têm entre eles.

 
Não consigo concentrar-me pois o smartphone emite o som demasiado alto.
Ela inicia a conversa de modo suave, num tom jovial, com um ligeiro desafio cujas palavras podem ser interpretadas com segundas intenções. Ele, como que se um interruptor no seu espírito, se premido tivesse efeito imediato. Mudam as suas feições, o hipotálamo toma conta do seu ser, e um sorriso entretém-se nas feições dos seus lábios. Está a pensar em sexo, na promessa de sexo, que é geralmente melhor que o sexo em si.

 
Ele escala, com a pressão de capitalizar a oportunidade, da forma atabalhoada que é habitual a quem sabe que é controlado pelo seu desejo, reage aos sentidos encobertos nas palavras dela, meio a pedir confirmação, meio a declarar o seu desejo. O seu corpo reage, o cocktail químico no neocórtex fá-lo sentir bem.
Ela respondendo, escalando ao escalar dele, mantém a compostura, mas não se negando a manter a conversa com o mesmo metasignificado, que passa facilmente como expressão de desejo por ele.

 
Henry Miller dizia que apenas somos irmãos da cintura para baixo.
A alegria é contagiosa. Fico contente por ele estar contente, entendo o lugar do outro naquele limbo da promessa de pinocada, de sexo no qual passamos 24 horas a pensar, ou a tentar não pensar, o que vai dar ao mesmo.
 

Ela, quando o sente domado pelo desejo, e entregue ao ponto de desequilíbrio, deixa escapar subtilmente, que no universo prometido nas palavras que não disse, apenas umas nuvens negras permanecem, apelando a que ele resolva esse problema, para realizar a promessa adiada. Se ele fosse às compras e buscar o miúdo ao infantário, o caminho ficaria desimpedido, e a promessa de dermes encostadas, mais perto.


Esta era a intenção inicial, que se de forma imediata e directa fosse indicada, seria por ele rejeitada por causa do turno de trabalho que acabara de realizar, ao passo que ela saíra do trabalho depois do almoço.


O sexo prometido, a cenoura que move o burro.
Terminada a chamada, a postura dele vem vincada, de forma austera e indiferente, para mascarar a satisfação que na cabeça dele, a meus olhos, o mostraria vulnerável ou contraditório ao que anteriormente sempre comentara.
 

Para ele, e outros, nestes momentos, sente-se o vencedor da lotaria genética da vida. Algo fez bem que lhe garantiu a execução da missão mais importante da vida, garantir o uso de um útero.


Por contraposição a todos os desajustados que reprodutivamente ficaram pelo caminho.
Esses inferiores, senhores da sua própria inaptidão, elevam-no a alturas olímpicas num duplo processo de validação que se soma ao cocktail da promessa de sexo. Mais intoxicado pelo seu ego, que pelas 12 garrafas de cerveja que jazem na mesa.
 

​Os inadaptados falham metafisicamente. O seu erro além de essência, é de interpretação da realidade.
 
Imagina a cara de espanto dele, quando lhe passo o pires de tremoços para a mão e exclamo:
«-És um conas.»
 
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