Levanto o cu da cama, desço os degraus, e vou mijar.
Bebo meio litro de água que deixei numa garrafa de vidro desde ontem. Faço jejum desde as 20 horas da noite passada. Dormi com um peso no coração, fiz o teste de apneia do COVID, aguentei 2 minutos sem respirar. A falha cardíaca nada tem que ver com doenças fisiológicas. Quer ver que tem a ver com as putas que frequentaram o meu corpo e alma? Putas, porquê? Fizeram-te mal? Ou tu é que não sabias o que a casa gasta? Que mal te fez o gajedo que não tenhas merecido pela tua natureza menor? Se o padre Disney te ensinou, que tens de culpar as gajas por agirem de forma paleolítica? Vais para a guerra com uma fisga com pedras almofadadas. Não culpes o jogador, culpa o jogo e quem te enganou em relação às armas permitidas. Pego no moinho, que mói os grãos de café. Não posso beber café, mata-me, acelera-me o ritmo cardíaco, indago se o salivar pelo café matinal não é uma sede de desaparecer, uma vontade de me matar a mim mesmo. Após bebido fico hiperactivo e agressivo, saio do carro em disputas de trânsito e dou cabeçadas em taxistas que acham que o piso betuminoso é deles. Sentado ao computador compilando a lista de músicas numa pen, que colocarei no rádio do carro com que farei os 3000 quilómetros que me levam a Copenhaga porque tenho de levar merdas para o apartamento e, portanto, não posso ir de avião. Que esta merda do Covid passe, não tenho paciência para os dias que passo na estrada. Lembro-me de escrever um texto de merda a relatar o que sinto, para que olhos alheios na internet acedam aos sentimentos anónimos de um qualquer cabrão da internet. O texto não está a sair como quero, uma das minhas namoradas, liga-me, é a Solange, brasileira de Fortaleza. Que me quer ver hoje, hoje não posso, não estou com paciência para ninguém. Foda-se. Tenho de sair de casa estou a dar em maluco. Saio, já tenho a playlist completa, que me enfada ali por alturas de Namur, a meio, portanto. Após 18 horas de condução. Vou ao Aldi, compro cerveja biológica, emborco duas garravas de sete decilitros e meio. O álcool rés vés Campo de Ourique afoga-me as inibições. Ao regressar a pé, a casa, pelo caminho onde a malta leva os cães a defecar, onde passo sob as arcadas onde a malta sacode os lençóis púbicos da noite anterior, ou as toalhas amigalhadas do almoço, vejo 3 indivíduos entrando num café fechado, com papel vegetal forrando as vitrines transparentes antes do confinamento. Olá, transgressão me chama. Bato à porta. Respondem que estão fechados. Digo «-Ou abres essa merda ou ligo já para a esquadra.» Abrem. Entro. O café está cheio, de gente que finge ou não se olhar com olhar de reprovação, ou com indiferença de que só foi ali para tomar um café. Sento-me na última mesa ao fundo ao pé dos lavabos, peço uma cerveja preta, tremoços e que as venha trazendo conforme eu vá bebendo, que no final paga o multibanco. Sairei daqui de gatas, é uma promessa. Decidido a beber para esquecer, como tremoços para amenizar o impacto etílico no neocórtex. Uma mão pousa na mesa e me pergunta: «-Posso-me sentar?» Olho para cima e vejo Urraca. Urraca foi minha colega na C+S. Lembro-me dela, bem, pelo nome. Ela disfarçava bem quando gozavam com ela por causa do nome estranho, bem antigo pelo sinal. «-Senta aí.» -disse eu. Fico a olhar para ela, com cara de ébrio, compondo todas as memórias passadas ao lado dos motivos potenciais que a levaram a identificar-me e desejar sentar-se ao meu lado numa tarde de Inverno na periferia lisboeta. Após a conversa da treta que equivale a preliminares, perguntei: «- Porque te sentas ao meu lado? Nunca me ligaste nenhuma na escola ou na idade adulta. Qué passa?» Encolheu-se para dentro de si mesma, pois a curiosidade que a motivara esboroara-se numa sobreanálise minha. «-Olha João, tenho lido os teus textos, e tenho uma opinião sobre os mesmos.» Olá. Foi directa ao assunto. A forma como entoou o que disse, preocupou-me. Alguém que sabia do que falava? «-Venha ela.» «-Acho que continuas a falar do ‘gajedo’ com quem te cruzaste, porque é de certa forma uma maneira de se te veres superior a ele. Ao continuares a falar sob textos, das gajas que comeste ou te comeram, evidencias a tua superioridade por não as esqueceres como elas te esqueceram a ti, e por isso te sentes sujeito a uma lei humana superior que não coincide com a reificação, numa mundividência que despreza a relativização dos outros num determinado espaço-tempo em que vives.» Foda-se. Aproveito que o dono do café renova a frota de Sagres pretas na mesa e vejo no Facebook do smartphone, qual a formação da senhora Urraca Silvana. Professora de Línguas e Literaturas Modernas. Foda-se, fui para o MMA à espera que os oponentes desconhecessem grappling. «-Olha, queres passar algum desse espaço-tempo a revirar os olhos a olhar o estuário?» Eu esperava que se negasse e me descartasse por suposta falta de respeito. Fazia uma ideia de onde ela morava, e por isso flaei de fornicar olhando as águas azuis do estuário do Tejo. «-Bora, vamos no meu carro.» Foda-se. Chegado à porta do Skoda dela, olhei para ela e disse: «-Mas pensas que me esqueci dos teus critérios de selecção de há 30 anos?» O Sol põe-se a Oeste, para ele caminhei, agarrado à pélvis e à vingança da treta.
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