Dou por mim vogando na Feira da Ladra, de forma recorrente…à procura de velharias seladas em plástico, virgem, nunca rompido por mãos humanas. Antenas de wifi de há 20 anos, cassetes de há 30. O que aparecer. Tudo para romper o plástico, e em movimentos rápidos, inspirar o ar há tanto tempo aprisionado. Pequenas e gasosas cápsulas do tempo, que numa crença infantil, desejo que me transportem para o tempo em que os meus amores eram vivos. Todos os que amei e amo, têm por tendência ou morrer ou ir embora, o que equivale entre si. E sempre que morre um dos meus é como se arrancassem um membro, aqui a mim, o centípede anónimo. Gosto de saber o ano da embalagem, e snifar o ar lá dentro assim que a rasgo, voltando atrás no tempo, etiquetando-o com este ou aquele marcador…o ano em que namorei com esta ou aquela, o ano em que este ou aquela morreu…o ano em que comprei este ou aquele carro… Mas geralmente, o que andava eu a fazer neste ano, com esta ou aquela. Provavelmente a escrever cartas de amor e nos transportes públicos a caminho de a comer. O de ser comido, o que não interessa. O que interessa é que penso nelas, e nisso a minha personalidade as suplanta. Sob qualquer perspectiva. São inferiores a mim por isso, que isto de ser humano é sentir, e como rasto de radar…no meu ainda aparecem, sem qualquer intenção minha de as comer, apenas porque quando se gosta de alguém, é para sempre ou até que se vão embora achando que arranjam melhor, do alto da sua tolice. E mesmo assim, ficamos a pensar nessas putas e no quão conseguiram trair um voto que tomámos como eterno. Ah putas efémeras e oscilantes como curto-circuito estelar. Sabem tanto como traça que marra em luz análoga à Lua. Há que lhes dar um desconto sem que percebam perder alguma dignidade pessoal. São as regra do jogo, e apenas difere a capacidade de auto engano de cada um de nós. E por norma este gajedo está plenamente convencido de si mesmo, habituadas, de os dois palmos de cara permitem, a achar que o mundo é um lugar belo e justo porque desde pequenas tudo vem fácil, sem falar dos encómios dos homens, que vêm à arroba. Mas as putas ressabiadas de hoje, apenas me resumem a um bicho violento e escravo dos seus desejos, um tonto apenas adorável se instrumentalizável. Há que lidar, a fome e a sede e a falta de carácter de tantos homens a isto conduziu. Elas querem mandar, ó amigas, mandem. E sejam felizes. Longe de mim. Eu finjo que sim. Só se estraga uma casa, e vos garanto que não é a minha. Comer gajas do tinder em barda tem o nefasto efeito de ter de usar óculos escuros para onde quer que vá. Como dizem os americanos,’spoiled for choice’. A sobreabundância de pretendentes e alegados admiradores, dá-lhes uma liberdade e leveza que desarmam qualquer um, embora os mais batidos percebam que é só miséria. Parecem porcos no chiqueiro felizes por rebolar na merda. O mundo à beira de um colapso nuclear, mas ainda circulam pelas ruas em manifestação por causa de uma suposta opressão patriarcal na qual os seus antepassados detentores de vulva, foram ao mesmo tempo sujeitos históricos, e vítimas sacrificiais de uma suposta mão masculina descida do Céu. Todos são filhos da puta, com excepção talvez dos pais e dos irmãos. E de um ou outro tio. Sentem em algum ponto de si, que não interessa o significado, que soa bem dizer-se que são ou foram maltratadas. Que algo há a ganhar por defender uma suposta verdade que convém. Mesmo que não seja verdade, soa bem, e todas têm um exemplo de um menino que lhes fez dóidói que pode ser esgrimido como prova para uma aniquilação de todos os outros que calham ter pila no meio das pernas. Fujo, disfarçado pelo anonimato, das dondocas que não conseguiram manter-se ligadas a um homem, das mães solteiras a quem os parceiros ganharam asco de vez, ou a quem a paciência acabou para tolerar os maus feitios, as birras, os innuendos e a manipulação psicológica. Nos bumbles e tinderes, julgam encontrar o último da ninhada, o desesperado, o despojado de amor próprio que se sujeita a tudo para ter um vislumbre de desejo genuíno por parte de outrem. Os mesmos incapazes de respeitar as ‘gajas’ por nelas reconhecerem um provincianismo de shadenfreude, onde a exultação é de ‘sê o que és, puta, o resultado vem a caminho’. É uma guerra civil mano. Vejo os vídeoclips de música dos 90, tocados pelos que ainda estão vivos, elas gordas e eles em playback. Vejo que a minha cova também me mira ali do canto. No problem, não vou a chorar. Vejo as bardajonas aqui da minha zona nas redes de engate à procura de mais uma dose de endorfina que as faça sentir bem consigo mesmas, um like, um elogio, um algo positivo que valide as decisões que tomaram. Bardajonas, porque situacionistas. Quando novas e com as carnes no sítio, tratavam-me a mim e a semelhantes, com desprezo. Só o brilho as atraía. Curioso como a atenção e valor que nos dão varia com a alteração das suas possibilidades de escolha. E por isso os homens detestam o feminino, parece-lhes despojado de ética. E tantos e tantos, que se ressentem por as querer amar como são, e não poderem porque o bicho não funciona assim. O bico, o demo, força-nos a ser maus, desapegados e até cruéis de forma que nos amem. Nem é certo que gostem de homens assim tanto. Seria irónico se não fosse trágico. Se o melhor e mais doce dos gajos se tivesse de transmutar em filho da puta para obter amor genuíno, ou o mais genuíno que a condição humana exige e permite. Só para que não o deixem. Só para ser amado. E se a condição masculina fosse essa, trair toda a sua essência de forma que uma gaja lhe desse um beijinho no senhor contente? Mexe-lhe, e dedico-te a vida, parece ser o mantra neste mundo de carência, de testosterona desprezada. Rio-me e bebo. Bebendo-me esqueço, e lembrando-me, rio-me. É a única forma de sobreviver. E elas lá continuam na vidinha de se refastelarem na mediocridade. Seja, ao menos são livres.
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Córnea Ando por uma Lisboa que já só remotamente me lembra os amores extraviados nela escritos décadas atrás. Cada esquina de basalto me lembra as namoradas que tive e os motivos fúteis do abandono. Lembra-me também do patético de dividir assim os períodos da minha vida, entre os estados febris de desejo de outros. Não me levo a mal, porque sei que o desejo era sincero e não lhes guardo mágoa. Revolta-me até a ideia de achar que colocar a hipótese de guardar mágoa é indigna de mim, que deveria saber de forma clara, que as coisas são como são, muito além da minha vontade. As que realmente importaram, foram as que, tirando um ou outro caso, não conseguiram evitar fugir de uma lucidez, que eu evitaria ter para mim. Se calhar por isso, me apaixono com facilidade, para fingir que não vejo e estou entretido. Choquei com o gajo, ali pelos lados da estação do metro da Cidade Universitária. Eu ia para casa, ele à Reitoria. Apesar dos anos passados, exclamámos em uníssono, pelo fortuito do reencontro. Epá anda ali beber um café, e acabámos por almoçar. Falámos de Professores passados e outras merdas que fervilham o sangue. Lá contou que migrara para o Porto, cidade que lhe parecia mais genuína que a desalmada Lisboa. Para longe do viveiro de seus demónios ali para o Barreiro. Penara por anos, sem saber o que ser ou para onde ir, e então decidira permanecer no caminho que o levara ali, ao local onde nos conhecêramos anos atrás. Perdido por 8, perdido por 80, e decidira fazer o caminho da ascensão académica. Não sei quantos anos de vida mais a queimar pestanas. A sentir-se como uma merda que não se concretizou, com idade avançada sem chegar a lugar algum de concretização. Eventualmente alguém lhe gostou da tese e fez força para que fosse contratado. Fugira do Barreiro, dos seus territórios de indigência material onde os demónios vivem. Quando o conheci era meio chanfrado por esses mesmos seres ardentes que o flagelavam entre duas perguntas, sobre o que fizera para merecer tal, e o que fizeram aqueles que amara para tal terem sofrido. Mas era autêntico, nada escondia, porque mostrava ao mundo que a sua entidade era por tal…afectada. Enquanto pedíamos a sobremesa, não largava o telemóvel, correspondendo-se com alguém. Estava feliz por ele, por finalmente, ter chegado a algum ancoradouro digno. Emprego estável e considerado, roupinha decente e já não andrajosa e datada, e até uma gaja, tornada esposa que se juntara, entretanto, a nós. Longe as noites de masturbação anónima e o conforto de sentir-se amaldiçoado pelo mundo por estar imerso em solidão e ostracismo. A mágoa afogada com bom bourbon e já não com vinho branco de pacote tetra pak, camisas engomadas e já não after shave reles e barato. A profissão de professor universitário, confirmava todos os dias uma estima que lhe era novidade. Aprazível e narcótica. Não o reconhecia, e dizia para mim que as pessoas mudam, ou «evoluem’. Mas reconhecia o seu modo de pensamento agora. Naquela indisfarçável pose revanchista para com a vida, que agora o recompensava após um esforço prévio de Ordem e Progresso, agora sentia que também tinha uma pedra na mão para responder em igualdade de moeda, à ‘vida’ que o agredira antes. Como se farto de ser empurrado para a lama sem motivo algum, agora se afirmava pronto a andar à porrada, com uma existência surda. A mulher dele veio ter à mesa, andava perto. Feia como um dia de Inverno e agressiva como um dia de Verão desértico. À primeira vista, protectora dele. Mas para gajos batidos, o que protegia não era o gajo, mas o seu investimento, a sua aposta. Parecendo proteger um bom de coração e ingénuo dos perigos do mundo e das coisas, protege afinal o seu prémio de consolação existencial, afastando-o de bocas e influências que possam quebrar o feitiço. Para ele, nada mais justo, o seu esforço prévio legitimava a nova roupa, a ‘nova’ vulva, o amendoim que a vida dá se jogares como ela manda. Não me conhecendo, eu era o inimigo para ela. Um dos quais pode mostrar o que é uma ilusão, porque também ele, eu, já viveu iludido. Aquele dos quais, pode mostrar ao sortudo, que afinal uma ilusão é uma sorte que não o é. Passeávamos pela Nazaré, aguardando a chegada de uma amiga que nas semanas anteriores, encornara o marido pelos corredores da fábrica em que trabalhava. Metera o desgraçado a pedalar na bicicleta conjugal, isto se pretendia ir a algum lado ao colo de alguém, e apenas se o amante mantivesse a jura de ficar com a ninfeta decadente após a ruptura. Coisa que não fizera. Havia sido honesto, amiga damos umas cambalhotas mas nunca deixarei a minha mulher. A mão dela na minha produzia um suor mútuo, que para mim soava a filhos por nascer, e destino por cumprir. Era um desfecho pelo qual eu optava sem forçar ou ser forçado por ninguém. Finalmente a musa que me amaria pelo que sou e não pelo que posso dar. Mas não. Despejada pelo foco de emoção na vida, a amiga, ressabiada com a existência, castigaria o marido com exigências sacrificiais no altar do matrimónio. Eu pensava comigo, a lata. Mas não me dizia respeito, ergo não passava daí, da minha capacidade judicativa em surdina. O bumble tem destas merdas. Uma gaja que ontem te dizia que te amava por palavras escritas e por ser ‘sapiosexual’, e te desliga por dá cá aquela palha, é uma outra gaja que hoje te liga e diz que quer que vás a casa dela e a fodas sem lhe dizer boa noite. Ó amiga. Um gajo aproveita estas merdas que as damas estão loucas e não sabem o que dizem ou fazem. E assim lá vai um gajo ejaculando a maldade. Os três riscos brancos na mesa, assim que lhe entrei pela porta adentro, eram o pagamento adiantado ali para as zonas da Praça do Chile. Ó amiga, estás a meter-te com malta dos subúrbios. Acabadinha de chegar das alturas da Bretanha, tratara-me como qualquer pila ao domicílio. Três riscas de cocaína é o preço actual, mais fácil que dar dinheiro. À 3ª foda, isto é, à 3ª vez que as pernas dela me envolviam como que a pedir tréguas, parei e beijei-a na boca. Perguntei se era para continuar ou só queria foda. Fez cara de estrangeira com cara de parva. Ok amiga.São 6 da manhã e volto para o placebo de vida burguesa. E lá se acabou a cerveja. O seu olhar triste e vencido, que voava sobre o horizonte, exprimia uma profunda desilusão, daquelas que fazem perder a vontade de continuar.
Daquelas que mostram sem sombra de dúvida, que todas as nossas crenças anteriores, não passaram de logros em cima de logros, nos quais escolhemos acreditar. Abordei-o e perguntei-lhe se estava a gostar da pequena festa onde estávamos como convidados. Já o conhecia de vista, e o que sabia da vida dele resumia-se ao que alguns amigos em comum, bisbilhoteiros, resolviam partilhar se solicitação. Ao que parece era um assunto de rabos de saia, para variar. A expressão dele era de desespero, de obter uma 2ª opinião sobre um qualquer fenómeno que não conhecia e ao mesmo tempo rejeitava a evidência como resposta. Lá me contou que uma tipa lhe fizera ghosting, apesar de tudo parecer estar a correr bem, ele jogando as cartas todas bem, na sua ideia e avaliação. Eu disse-lhe que se fosse tentar interpretar todos os motivos plausíveis para o comportamento das gajas, iria durar pouco tempo nesta Terra. Provavelmente apareceu outro melhor, para a visão dela, na jogada. Se calhar estava apenas a sugar-te atenção, para se sentir importante e desejada, e ia-te convencendo que lá longe ao final do túnel, lá estaria uma promessa de ambos de mãos dadas. Se calhar até, está ressabiada com um outro qualquer, que a comeu e cuspiu fora, e agora vinga-se em quem nada teve com isso a ver, apenas pelo facto de serem homens. Sabem como ninguém o carácter lógico do nosso existir, e do quão impactante, são as acções inexplicáveis, para quem ainda cai na esparrela de lhes tentar compreender o comportamento. A arma é sempre a mesma, e dupla, com o ghosting, a gaja evita a frontalidade de ter de passar por ‘má’ que opera a ruptura, e enfia o punhal da auto dúvida na carne do moribundo, que assim pensará ad nauseam, que raio está na base de uma decisão e acção, de outro, a partir do seu comportamento. Boa parte delas, é até extra simpática e promissoras ao início, exactamente para isso, para jogar ao ‘pisa’, do género, mete aqui o pézinho, vá lá que eu não piso. Metido, desce o salto alto agulha, apenas visando esmagar os carpos. Bem, eu explicava isto, ele lá reconhecia algumas evidências, alguma lógica, mas negava. Estava demasiado preso à generalização positiva de todas as mulheres. Perguntei a idade da matrona. 38. Tens de ver também que o gajedo nessa idade tem pouca solicitação. As doses de atenção que as validam desde os 16, começam a reduzir-se, e com elas, a capacidade de viverem consigo mesmas. Vingam-se da vida então, com estes joguinhos de magoar, dando trela com o objectivo específico de a cortar mais à frente, para sentirem que ainda têm algum poder de decisão. Mas todos estes joguinhos, só os fazem com aqueles que claramente nunca são na sua mente, escolhas possíveis. Esquece tentar formar intimidade com alguma delas. É uma peça de teatro, onde te arranjam um papel de figurino, apenas para confirmar o guião prévio. Só há uma forma possível de lidar com isto. «-Qual é?» Perguntou ele, não por curiosidade, mas para mostrar de alguma forma que me agradecia o esforço verborreico por mim despendido para o animar. «-É rirmo-nos. Na cara delas, da sua natureza, na natureza deste mundo. Como Camus mete Sísifo a fazer montanha abaixo. Rir, a melhor vingança é ser feliz. Repara, é como tudo o resto. O que te prende, controla-te.» Ele não ficou convencido. Dei-lhe uma palmada no ombro e disse-lhe que o problema dele não era o comportamento estúpido das gajas, nem o constatar que boa parte delas avalia de forma infantil o seu valor como potencial parceiro de macacadas horizontais. Disse-lhe que o problema dele, é um investimento prévio, numa promessa de grande relação com alguém. Tu enamoras-te é pelo projecto efabulado, de teres finalmente uma relação que te preenche, com alguém que te deseja. E quando deixam de te ligar ou responder, não é a falta delas que te mói, é a obliteração da fantasia que animaste, apenas para poderes justificar a ti mesmo, o esconderes que a Dulcineia não passava de uma verrugosa taberneira. Tu estás viúvo de uma grande relação, precisamente porque tens andado sedento de uma. E vais continuar, porque não fazes tu mesmo o teu teatro. Queres uma gaja que goste de ti como gostas dela, que promova a relação de ambos com sexo constante e planos de actividades em comum, que goste genuinamente de partilhar actividades contigo, e não que persista em ti aquela suspeita que ela tenta apenas agradar-te, visitando um museu ou indo comprar uns livros, escondendo mal, o enfado e as trombas. Tu queres é uma relação feliz, que é cada vez mais uma promessa de miragem, porque as expectativas destas gajas, são a cova onde se enterram a si mesmas. E têm direito a votar, quando nem sequer percebem que a aparente melodia com que o marketing as embala, é afinal, uma travestida extrema unção, que coroa uma vida ilusória e infeliz. Elas rejeitam, elas magoam, elas aliviam a frustração existencial, nos outros. Que são mal vistos, porque são básicos, simples de espírito e se contentam com pouco. Deve ser bom, achar de nós mesmos que somos um mistério insondável, abençoado na natureza. Sei também que deve ser uma maldição, nascer com uma carinha laroca. O mundo lança gentilezas em todo o nosso trajecto, desviando-nos das frias realidades que os outros menos abonados, desde cedo conhecem. Mas para esta gajaria em 2024, os gajos são utensílios. Os gajos que não passam pelos critérios conducentes a ‘prémio’. A única forma de ganhar é não jogar. Tens mais utilidade, na rejeição, usada em benefício delas. Se não te rejeitam, têm para ti o papel de utensílio a médio prazo. Cabe-te a ti decidir, se procuras e não encontras, ou se te poupas e talvez possas vir a encontrar. Esquece isso e segue em frente. O jogo está viciado. É esta a pedra filosofal hodierna. Transformar um bloco de ouro, em pepitas de chumbo. Não sei se foi por estar farto de me ouvir, ou ser algo de racional que reconheceu no meu discurso. Levantou-se e foi dançar para a pista de dança ao som de músicas dos anos 90. É das poucas que ainda me liga no Natal a desejar boas festas. São chamadas sempre estranhas, porque nunca sabemos o que dizer. Nos pontos baixos da sua vida, convida-me para jantar, vou desconfiado sempre à espera que dê o primeiro passo, para a poder acusar de falta de vergonha. Depois arrependo-me. Nunca se lembra de mim quando a vida vai alta, ou o telemóvel silencioso. É nos períodos de vacas magras que me mostra o índice de respeito que tem por mim. A verdadeira forma como me vê. E eu acabo por nada dizer, apenas observo. Observo e calo-me. Finjo que nada sei sobre a forma como existem, a sua vida interior, as suas contas de merceeiro. Quando são chatas, finjo que me zango. Quando quero que se afastem de mim, ligo a toda a hora e conto-lhes as minhas inquietações filosóficas, ou melhor ainda, tento ensiná-las a fazer introspecção de Freud a Jung. Nesses momentos, para elas, o sumo deixa de merecer o aperto, e largam-me da mão, com a crença reforçada que sou um conas, ou pelo menos, um plano E, F ou G, a usar quando choverem bombas de cogumelo sobre o mundo. No final de cada manipulação, quando consegui afastar a fonte emocional instável, do meu limiar de consciência, a minha própria biologia ralha comigo. Sou inundado por um sentimento de remorsos e ânsia de voltar a ligar e a ver o que fazem, o que for preciso para as ter na cama de novo. A minha biologia quer mandar em mim, e que eu derrame esperma para dentro de um útero. Quando a racionalidade leva a melhor, inunda-me de todo o tipo de hormonas, para fazer reverter a situação. O pito era raro na savana. E a consciência hoje, com as mariquices de não querer tirar partido da fraqueza do outro, não está cá para essas ‘animalidades’ saudáveis. Uma ou outra dizem que as odeio, que se nota na escrita e na forma como descrevo as mulheres. A algumas digo que sim, que as odeio por não serem como eu gostaria que fossem, aquela merda do mito da alma gémea, que a bem dizer é uma pirosice de primeira apanha. Estou marreco de saber que partilhar a visão sobre este assunto, me torna aos olhos dos outros, como o estereotipo do mau amante. Daquele que sem arte ou encantos naturais, cospe no prato em que gostaria de comer. «-Odeias as mulheres e odeias as mulheres que são livres e empoderadas.» Rio-me, é a mesma merda de conversa, de repetição de papagaio, que soa bem. Ideias repetidas e ouvidas primeiro noutro lado qualquer. Regidas, algumas, por esta consciência não ruminante que não se interessa em descobrir a veracidade do afirmado, apenas, fruir a ideia de ser o centro do universo de qualidades e magias. É tão bom, dócil e narcótico, sentir que temos as cartas da vida na mão. Uma cara bonita, um bom rabo e seios bem feitos e ‘amandados’ para a frente. Como soldados destemidos em guerra de trincheiras. E de repente o mundo é a nossa ostra, vídeos idiotas no instagram, ainda mais idiotas no tik tok, com poses cada vez mais próximas da pornografia clássica, que faria corar de vergonha muita actriz dos anos 70, de hardcore. O rabo com o rego num poste de iluminação, a objectiva filmando por trás, enquanto ela se baixa para atar os atacadores. Alusões directas ao sexo e ao poder de manipular a rebarba do espectador, que paga e se amontoa aos magotes, em casa no trabalho, atrás do teclado, aliviando a tensão lúbrica assim acumulada. É uma maravilha ser mulher, arrebanhando assim o maior número de pretendentes como a mulher de Ulisses, para quando decidir, poder escolher o melhor. Vês, o poder sexual nada tem que ver com os gajos, mas com essa satisfação existencial, esse sentimento transbordante de se sentir bem nos seus sapatos. Essa sobre identificação com o seu corpo, proporcional à amargura mais tardia, quando o corpo decai. Estas gerações de há 20, 30 anos atrás, não aprendem. Estão agarradas à droga que é a lembrança de como um dia foram desejadas. Continuam a olhar para o seu corpo, o corpo em que outrora viam tudo de si, e a ver que o mesmo não mudou, aparentemente. E mesmo que mude, a beleza está no interior, agora. Agora querem ser apreciadas pelo que nunca ou quase nunca foi preocupação…a sua personalidade, as suas qualidades pessoais de ser humano que caga e mija como os demais. E continuam também, a ver os homens que não lhes interessam, como uma res extensa, uma coisa aí, feita para lhes aliviar a existência, sussurrando elogios. Aqueles que interessam, serão lavadinhos e enxugadinhos, pela mesma consciência que lhes veda a verdadeira e objectiva apreciação do seu corpo decadente. Boa parte, pelo que tenho visto, apercebe-se difusamente, da falta de uma ética adulta, e de uma actualização de crenças. E só vêem dois caminhos. Ou o da aceitação da nova realidade que se estende até à cova, e do fazer das tripas coração, considerando a velhice como sinal de maturidade e censurando os homens que desejam mulheres mais novas…ou…escolhendo de novo o caminho mais fácil, da religião coca-cola, dos espanta-espíritos, do feng shui, das vibrações dos cristais e da astrologia, tudo de modo a reconfirmar a velha crença de que o bicho mulher tem acesso privilegiado aos segredos do cosmos, um papel místico que os homens não entendem, presos nas suas limitadoras lógicas e matemáticas, opressivos, agressivos e básicos. Duas cajadadas, elevam-se ao patamar de semideusas, e rebaixam-nos ao patamar de adoradores, de repasto do seu ego. Por isso não espero grandes assomos de ética e consideração por parte de qualquer mulher, que possa ser interessante e ter interesse por mim. Sei o que a casa gasta. Sei que cordéis a puxam, sei quem é o titereiro, e por mais desejo que tenha de encontrar a excepção, sei que me calhará sempre a regra. E por reconhecer em mim, o mesmo onomaturgo nocturno em acção, não as consigo respeitar, precisamente por dele não terem consciência. Como respeitar um animal selvagem que nos morde quando o tentamos resgatar de uma qualquer morte, de onde não consegue sair? Temos de retirar a mão e lamentar que não tirem o pé do acelerador enquanto passam por nós em direcção à inexorável parede. Só podemos lamentar. «-Credo João, estás tão amargo.» Havia-me pedido para ir ter com ela ao bowling, que me pagava uma cerveja, e acabámos por jantar, e passear, ao som dos grilos e da lancha da polícia marítima que persegue os mariscadores no estuário. A conversa não acabava, e fomos para o bar onde nos conhecemos. Eu com dois copos começo a falar e não me calo. Ao ouvir-me, retirou as duas mãos em concha onde prendera a minha. Olhei para ela e alguma clareza de pensamento fez-me revisitar a questão que colocara a partir do momento que ligara para mim. «-O que é que esta quer?» Num momento de desconfortável silêncio entre nós, ela diz: «-Vi um anúncio na tv e lembrei-me de nós, desta relação de amizade de há anos…» «-Relação de amizade?» ri-me e perguntei. Como forma de alívio das indagações prévias sobre as suas intenções, soltei umas audíveis e sonoras gargalhadas. «-Estás parva? Amizade? Mas desde quando é que o que se passa entre nós é amizade? Não sei que relatos é que contas a ti mesma, para puxar lustro à tua consciência, mas eu não estou aqui por te considerar ‘amiga’. Até porque não serves para tal.» Contei os segundos até vir a pergunta de volta, básica e a pegar no que menos importante eu dissera. «-Como é que me consideras? E porque não sirvo para amiga?» Sabia que a irritava não respondendo logo ao que mais lhe interessava ouvir. «-Eu sei que merda de anúncio é esse. É o da super cock, que para variar é um hino à espiritualidade feminina e ao mito de ser-se amada independentemente do corpo, e ao longo dos anos.» «-Á espiritualidade feminina? Como é que é?» «-Não tens estado a ouvir o que tenho dito?» «-Tenho…» «-Como é que podes apascentar a ideia do amor cortês como maior forma de ligação entre duas pessoas, a seguir ao amor filial, e no momento a seguir, louvar a ‘amizade’, em que um homem quer o teu bem, mas não te quer a ti? Achas que a não afectação sexual, por ser desinteressada, é superior ao interesse intenso de desejar fundir fôlegos? Não vês nenhuma contradição nisso? Que merda de redução é essa que me fazes ao papel de amigo? Que ilusão é essa de me reduzires a algo de confortável na tua narrativa do mundo? Em que medida tenho eu de participar nela para te ajudar a convencer do que gostarias que fosse verdade? Queres mesmo que olhe para a pared azul que dizes que é amarela e diga que é amarela?» Confesso que me exaltei um pouco, irritado pela redução que fez de nós, a algo agradável ou a caminho de, porque lhe dava mais jeito, alijava culpa e ajudava a acreditar em finais de histórias felizes. Era a isto que os homens estariam reduzidos? A phones de ouvidos de histórias reconfortantes? A citada lógica dos broncos não lhe interessava. «-Como me vês e porque não sirvo para amiga?» «-Vejo-te com os olhos. E não serves porque és só mais uma cabra egocêntrica que anda por aí. E não tens nenhuma culpa disso.» «-Olha, se é para me estares a chamar nomes, vou-me embora.» Puxou pelo bluff. Ok. Levanto-me e levo a mão ao bolso para ir pagar a despesa. Agarra-me de novo a mão e pede-me para me sentar. Sento-me mas com a perna desviada para poder sair imediatamente. «-Deves achar que sou o bócó que escolhem sempre para actor neste tipo de anúncios publicitários.» «-Eu sei que tens razão.» Era só isso que eu precisava ouvir. E agarrei-lhe as mãos também, sabendo que não podíamos estar muito tempo de olhos nos olhos sem nos beijarmos e lembrarmos das mágoas e exultações passadas. Pelo menos até que ela viesse de novo tentar fazer-me gaslighting, para ela ou para mim sobre a minha percepção e experiência. Reduzindo amor ao bócó do anúncio. Como sabia e sei, que voltará a fazer, porque o dragão dela não sou eu, é ela mesma, e por isso não odeio nenhuma. Elas não sabem nem querem saber. Comprimido de codeína com vodka arando. Fui forte e vim cá para fora fazer braço-de-ferro com o vómito de ostras a la parissienne com Dão e cebola a rodos. Detesto a parte onde as drogas e a pinga, me trazem à beira do enjoo. Não cheguei a meio caminho. Logo à saída da audiência, a senhora vendada com a balança na mão, recebeu a minha cabeça bem no meio do seu ventre, que ficou manchado de um roxo vivo como sangue de inocentes que morrem sem chegar a nascer. Os guardas olham de lado, e piscam o olho aos seguranças, para me tirarem dali, e os seguranças às senhoras da limpeza, para limparem a porcaria. Sentam-me num banco qualquer, que não vi na minha navegação prévia, e fico a tentar recobrar o equilíbrio encostado ao mármore frio e esverdeado. Por que raio de deuses mais egrégios, não me consigo lembrar da razão da minha presença naquele local. Isso, mais que a vergonha ou a falta de coordenação motora, faziam-me indagar a mim mesmo, constantemente, que caralho faço aqui? Não conseguia tirar os olhos da porta de onde saíra, como se fora um útero do qual eu renascera para vir de novo ao mundo, reaprender a ser gente. Duas ideias vinham-me à cabeça, a de que andava a comer uma advogada, outra, e a de que matara alguém e este era o meu julgamento. Ou uma, ou outra, justificariam a minha presença ali. Mas vês, se ando a comer uma advogada, que estou eu a fazer num julgamento? Vou ter agora com elas, ao local de trabalho? Não me parecia. A lógica mais evidente e sinistra, era que eu assassinara alguém, e usara farmacopeia para aliviar a consciência. Mas quem? Não sou de fazer mal a outros…espera. Matei-me a mim. Sempre e de cada vez que ando enrolado com gajas, por mais de um ano, tenho de asfixiar a parte de mim que me tenta acordar para o logro. O logro de as ver com as lentes do amor, e não como as pessoas que são. O pobre desgraçado que me tenta acordar, e mostrar a realidade das coisas, estrangulado às minhas mãos, que servem o amo interno. Caga para tudo e fornica cabrão, segreda-me ele lá de trás. Foder faz esquecer e conjuga-se com a vontade de todo o meu corpo para procriar. Claro que me parece natural. Loura, alta, veste-se de clássico como gosto, e usa o cabelo como teutónica espartana, bem apertado na nuca, e óculos de massa grossa e azul, com lentes parabólicas que ficam a matar no seu rosto triangular. Só se vem quando fica por cima, e nunca se nega a nada. Beija-me antes de dormir, e faz-me o jantar amiúde. Adora que lhe lamba as mamas redondas e perfeitas, e agarra-me a pila sem reserva ou sem qualquer pudor. Mas…mas…sem ser forçado nela, a brejeirice tem encanto porque tem desejo de mim, e não de me manipular a percepção. Não me tenta ganhar, apenas passar tempo comigo. Uma gaja destas, a priori, justifica a possibilidade de ter vindo encontrar-me com ela. Para irmos jantar e para sua casa até ao Sol se pôr. Não, não sei como me perdoar por me ter assassinado tantas vezes, para poder ser aceite, e para poder suportar os outros. Uma multidão sai pela porta, e ao longe uns óculos grandes auscultam o horizonte procurando por mim. Assim que recobrar-me vai ser bom, mas conseguirei viver comigo sabendo que sou um assassino? A neblina do vodka dissipa-se rápido assim que uma mão fria toca no meu ombro e uma boca sussurra: «-Queres dar-me boleia?» Lá à frente da plateia, as pessoas batem palmas e fazem-se muito honradas e dignas, em suma levam a sério estas minudências da vida, demasiado a sério, se me perguntas, para serem minimamente lúcidas. Muita gente acha que gozo com tudo, mas é falso. Eu não gozo com os outros, apenas com a sua falta de lucidez, tal como com a minha. Gozo com a minha envolvendo-me em discussões do lado de Deus e do Diabo ao mesmo tempo. Agora defendo algo, daqui a nada o seu contrário. Não por ser canalha, mas porque sei que a verdade é dialéctica, e quase tão inacessível ao nosso entendimento como o pito de uma lésbica feminista e anti machista. Peço desculpa pela redundância. Era mais um sarau de prémio literário, em que a malta se reúne para brincar ao ocupar a vida. Eu não ganhei nada, mas gostava de uma autora que lá estava e foi a minha espécie de homenagem, não sem antes encher uma garrafa de água do Luso de meio litro, com vodka sueco, para ajudar a passar o tempo. Ainda aquela merda não tinha passado da meia hora e já eu tinha emborcado metade. Deitava minha nuca na curvatura do banco de madeira no anfiteatro da FLUL, onde malta importante debatia o sexo dos anjos e que cus beijar. Há 20 anos, mais coisa menos coisa, assistira ao lamento do grande Professor João Belo, por Agustina Bessa Luís, ter combinado lá estar, e ter dado a boca a companheiros de painel e audiência. Coisa que obviamente se justificaria por motivos de força maior. Ao arrepio de qualquer ética pessoal. Apanhado em falso, o Professor, não defraudou a audiência, composta na maior parte, a aspirantes a autor, ao contrário de Filósofos, como eu e os meus colegas. E deu uma lição magistral, como grande Mestre que era. Completamente ébrio, olhava para os painéis de cortiça pendurados no tecto para efeitos acústicos, e pensava que esta merda da felicidade é um estado a que raramente sabemos dar valor. Pensava também onde caralho havia deixado o carro, pois ia sair dali de rastos. Chorei a pensar nas milhentas ilusões, arrojadas por aqueles corredores, da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Encolhidas entre milhares de outras, como as de Pacheco ou de Nemésio, se bem que este último viera dos Açores, para onde eu ia de seguida. A garrafa estava vazia e carecia de tempo de lixo, tentei levantar-me, mas…foda-se, estava mesmo ébrio. A mão até se escapou da cadeira de madeira, e com ruído perceptível o suficiente para fazer virar algumas cabeças, estatelei-me no ponto de partida. Fiz o que qualquer bêbedo faz. Fingir de morto até a lucidez e controlo motor voltar. Foi nessa fase que ela me veio picar. Tínhamos discutido uma questão de pormenor, acerca de diferentes versões marxistas do mundo e das pessoas. Uma merda qualquer sobre se o Esteves Cardoso e o Paixão serem escritores burgueses. A tipa era nada e criada em Tires. Claramente o conceito de luta de classes lhe passava ao lado. Mas achou graça ao facto de eu ser livre o suficiente para me encharcar numa cerimónia de vaidades. E eu, o velho eu, achou que por me darem mais de 2 segundos de atenção, queriam ter os meus filhos. Em Tires, um cabrão estava sentado numa cadeira de canto no quarto. Ela ia-me dizendo «-Não ligues…é só o meu marido.» Bendito o vodka sueco. Sem ele não teria visto o raro espectáculo de outro a chorar uma noite inteira vendo-me foder os meus fantasmas. O dia esporra-se para longe, sedado pelas águas em que o Sol cadavérico se despede das pessoas e das coisas, sem um ‘até mais’ que não seja o mudo retirar-se para o seu ocaso. Revolvo a beata morta entre os lábios, mordendo a morte esponjosa com sabor a alcatrão, e olho precisamente para essas águas onde se espelha o Céu. Tal como personagem literária, da qual difiro, percebo que houve em mim um arco de desenvolvimento de carácter. E que em parte, parte em mim, desejaria não ter perdido a ingenuidade que desejei perder de início. Tal como tu agora lês, e preferirias ler uma história de amor feliz, e não os redondos vocábulos de constatação do que todos sabem, mas gostariam de não saber. Sobre a transitoriedade da vida, da artificialidade das relações, das formas como nos fodemos psicologicamente uns aos outros. Apesar do Sol estar a morrer, ainda me queima aquela zona do escalpe que os abades rapavam em sinal de humildade para com o Criador. O Mercedes 230D descapotável, com estofos de cabedal e sem encostos de cabeça, bom para me estampar contra algo e desfazer a massa encefálica contra as paredes do meu próprio crânio, ou do volante massivo revestido com pele velha de animais mortos noutra era. Pega sempre à primeira e quando o comprei, pensei que ia fazer as delícias das gajas da Linha de Cascais, onde passei a caçar a vulva narcótica. Imbuído de bom espírito, evito puxar de outro cigarro, e agarro uns testes que tenho para corrigir, e maldigo a minha preguiça em fazer testes por computador que ficam logo avaliados com respostas à americana, e que os miúdos e miúdas esquecem 2 dias depois. Saco de outro cigarro e digo profanidades, que esta gaja chega sempre atrasada. Mas lembro-me que tal deriva apenas de estar morto por a ver de novo, e não de me deixar de facto, várias vezes à espera. O vento e som das crianças a brincar ao fundo, e o bote do Fonseca, com alguns mergulhadores que saem para um mergulho nocturno no Cabo da Roca, presumo, relembram-me a minha pequenez, ó puta que tão longe vais tu, e relembram-me de uma altura em que eu não era tão amargo e gostava mesmo de andar por cá. Como os velhos que usam a comida para se prenderem à vida, eu persigo como hamster em roda eterna, algo que apenas depende de mim, mas que julgo adiar. O apaixonar-me, isto é, o conseguir acreditar em amanhãs cor-de-rosa , com a boca dela colada à minha quando acordamos de manhã e pela janela nos espreita o mar. Percebo que se continuar com as contas de merceeiro e com a realidade da natureza das relações entre homens e mulheres, obtenho o que sempre quis, a verdade em vez da felicidade. Mas foda-se, custa tanto. E eu não sou gajo de sofrer com a boca fechada. Ela é uma jovem professora, que se pegou comigo quando gozei com a sua ingenuidade. Ela acredita. Acredita na empatia, na ilusão de que as suas acções contribuem para um mundo melhor, que é uma bonita ideia, ainda que ingénua. Queria fazer um sarau pela diversidade, ali naquela escola de gente rica, e aqui o gasto e amargo eu, movido a troncos velhos de marxismo dentro da minha fornaça, fiz um esgar de gozo. Ela confrontou-me se eu não acreditava ser um tema pertinente e dos nossos dias, ao que eu retorqui que a Humanidade é a maior azelha possível. Ela e os colegas ficaram a olhar para mim enquanto me levantava da reunião, pensando que eu era atrasado mental, porque o que dissera nenhum sentido fizera. Foi quando agarrei a porta e me virei para trás, que entrou a punch line, «-Geração após geração tentamos sempre fazer o melhor, e pasme-se, estamos à beira de uma bomba nuclear e no meio de um surto de pedofilia.» E fechei-a com força. Ao sair pelo portão da escola, farto de tanto wokismo e gente que nem chega a ser uma cópia do Flanders dos Simpson’s (que esse era bom por convicção), e ia repetindo para mim que todos querem ficar bem na fotografia a la minuta da ingenuidade, que não o é. Se parecesse mal ser-se ingénuo, esta malta andava toda com livros de Maquiavel, com a capa à mostra. Mas uma epifania pequeno burguesa ocorreu-me. Quem me julgo eu, para andar aí a destruir a ilusão alheia? Acelerando a disseminação geral da amargura existencial? Até que ponto, até, aquilo que para mim era óbvio, não era uma espécie de folia que me confundia as ideias, levando-me a acreditar ser detentor de uma verdade fatal extensível aos outros? Foda-se. Voltei para trás, abri a porta e pedi desculpas, pela minha resistência e desdizer de esforço alheio. Ficaram ainda com expressões faciais mais parvas, porque se haviam esquecido de mim a partir do momento em que bati com a porta. Eu era um mal necessário até ao fim de Agosto. Iriam para casa apaziguados com a sua avaliação de mim, como pessoa de trato difícil e feitio belicoso. Que há gente assim no mundo e é de adulto, lidar. Mas ela não. Ela ficou atenta à minha cara, séria para além do normal. E naquele momento senti o que julgo ser um canal aberto de afectação mútua entre nós, como que se as almas falassem numa frequência qualquer fora do espectro electromagnético. Nos dias seguintes tudo como normal, excepto quando um dia na cantina, ela saiu do grupo de amigas e veio pedir outro café quando me viu ir ao balcão comprar uma barra de Mars. Tinha 4 horas de seguida e não iria perder tempo a almoçar, de modo que um chocolate para não desfalecer. Não me lembro do que disse, sei que ficámos parados sem nada dizer, olhando dentro dos olhos um do outro, algum tempo, até ela se desligar por não querer passar uma ideia heterodoxa de si mesma, para mim. Percebi que a intrigava. E disse a mim mesmo que não iria conspurcar o espontâneo do agora, com as minhas lucubrações acerca da forma como o mundo é. Aos almoços, almoçávamos juntos e não fui eu que primeiro lhe tocou na mão, enconado pela diferença de idades entre nós. Foi ela. E quando me pegou na mão, e ficou lentamente a olhar para ela, maior que a dela, com cicatrizes, com os nós dos dedos inchados de pugilatos prévios, o abismo de mim, cresceu na sua mente. Eu era algo de insondável e respeitável para ela. Um homem com experiência, e aparente capacidade física de a partir toda na cama. Lamento, se o factor cama vem conspurcar o que se estava a revelar como algo anexo às narrativas românticas de romances vendáveis. Passo o pleonasmo. Mas se julgas que o sexo não é uma forma de hierarquização, é porque não falas com miúdas actuais de 20 e poucos anos, que fariam corar os taberneiros de há 30. Nas nossas conversas dissera-lhe que a minha altura preferida do dia era o entardecer mesmo antes do ocaso. E disse-lhe que adorava um spot ao pé da cidadela, onde podia ver o local onde entravam e saíam caravelas, mesmo por cima do maior cemitério da Barra de Lisboa. Combinámos. Não há outra forma de o dizer. Estava bêbedo. Ela encostada num nos cantos do seu lava-loiças, fazia o twerk e dizia ‘-Anda, come-me como a uma puta!’ Eu estava enamorado pela cerveja de marca, que o seu ex marido enólogo guardava na casa dele, onde ela se sentia à vontade de entrar sem ser convidada e espoliar, sempre que queria impressionar os seus engates de tinder. Eu limpava a minha consciência pesada de beber a fuga de outro gajo qualquer, com o esforço de querer acreditar na narrativa dela, que vinha a caminho, sobre o facto de que o gajo é sempre um poço de defeitos, que se deixa para trás por alguma angústia na vida, afogada no porvir, em restaurantes caros e pila aparentemente regeneradora, engatada nos ginásios e nas aplicações de engate. Por detrás de mim, os aviões de turistas pés descalços vindos do caralho mais velho que os foda, para usufruir como lagostas cozidas, da paisagem da mais bonita cidade da Humanidade, Olisipo para os amigos. Vi as camones a subir a Rua Garret e apertava os meus tomates, como que a acalmar dois pitbulls da cueca, para não me animalizarem, face a face com carne branca rosada pelas mordidas do Rei Sol. Dentro de uma farda da Prosegur, olhava para o tecto quando explicava a francesas e americanas onde tinham de procurar a lingerie e as suéras para coping com o astro-rei. Fez love bombing, que é uma forma destas putéfias se gaslightarem a si mesmas. Investem tipo carpet bombing, todo o seu afecto simulado, para no final das contas, poderem dormir com a sua própria consciência, sentindo que deram tudo, ainda que fingido, e que do outro lado abusaram da sua pureza. Pois esta, ao tocar na mesma tecla de sempre, depois ia-se queixar às amigas, que eram todos iguais, isto é, que faziam arrepio da sua individualidade, cagando para os seus sentimentos. Ó amiga, se os teus sentimentos são falsos, que tens tu de te queixar da manipulação alheia? Soa-me a desculpas por seres insuficiente. Insuficiente para o tipo de homem que queres e que achas que tens direito. E agora pergunto eu, se cada gaja acha que tem direito ao príncipe encantado, não tenho eu o direito de achar que mereço uma gaja que goste de mim, que seja boa na cama e fora dela, e que ache que eu sou o prémio e não uma qualquer ficção mediática? Sou eu menos humano, comparado por uma portadora de vulva? Tenho direito a ter gostos e preferências? Ou por ter uma pilinha XL, faço parte de uma classe opressora que tem de ser castigada? E a verdade é que não me dava tesão. Pelo menos não tanto como Rose, a brasileira de São Paulo, que se separara do marido informático e a quem eu enchera o chão do quarto de preservativos, em 12 horas de foda. Questa merda?! também tem de me dar tusa a mim. Ou sou apenas um objecto? Foda-se, olha lá. Que eu tendo barriga de cerveja e de branco moscatel, para poder viver com a memória dos meus mortos, também sou um bicho com direito à individualidade e aquela angolana marada dos cornos, convencida que era um catch, por ser magra e de tetas grandes, foi a segunda ao ver em 40 anos, aqui o je não ter tesão para a foder. Porquê? Porque não me dá pica. Teve de refilar e pedir-me insistentemente até onde o seu amor próprio o permitia, para ir ter com ela. Ah, pasme-se o público. Sim, se um gajo não tem tesão, não é sempre culpa dele, fisiológica. Pode ser a gaja que não ‘vale um caralho’, adoro esta expressão. Tipo, amiga, vales para mim, o suficiente para uma descarga de adn, mais que isso…não. Satisfeito o corpo, a alma pede para fugir, o mais rápido que as pernas consigam. A maior constante do meu currículo horizontal. Quando a clareza pós coito bate antes do coito, dá em falta de erecção. Com a idade, e o reconhecimento decorrente da observação das mesmas dinâmicas, dos mesmos trejeitos, dos mesmos fingimentos, ano após ano, cama após cama, gaja após gaja, que abdica de ser quem é para ser o que acha que o gajo quer, ou o que acha que deve ser de acordo com o que vê nos catálogos de roupa e propaganda feminista…vamos percebendo que é sempre a mesma mulher. Não o indivíduo x ou y, mas um reflexo pardo, do que seja a ‘mulher do momento’. Bicho do caralho, a mulher. Passo a expressão. Como eléctrico dos antigos, daqueles que ruminavam por Algés, tem as antenas sempre ligadas à catenária da moda presente, sempre em cima do último estilo de roupa e de depilação a laser. De postura e de como agir no seio do seu grupo imediato de ‘amigas’ codependentes que vivem bem no mesmo charco, ou chafurdam no mesmo de forma a aguentar os casamentos, poucos, que não conseguem largar. Entendo que para o gajo médio, isto pareça um enigma. Coisas de gaja, pensará para si. Sabe no seu íntimo que são futilidades, são merdas a que não dá valor, mas que tem de respeitar embora não respeite, como forma de honrar o contrato emocional que lhe dá acesso a descargas de adn. Ó amiga, vives em função da apreciação que vês nos olhos dos outros quando te olham por detrás das roupas novas e engomadas, e da postura testada e confirmada, que sabes garantir que falem bem de ti depois. Vives mais dentro da tua cabeça calculadora, que em função dos demónios que te levam por exemplo, a apanhar pielas nos casamentos e funerais, como forma de não pensar. A foder sempre que há uma oportunidade, como forma de não pensar e não pensando, não sofrer. Olhando de frente para a merda, porque se recusa a dançar com uma perspectiva com que não consegue lidar, onde não sobressai, onde se sente tão falso, como a natureza feita em oposição, que toma desde cedo para si. Tentava cativar-me para permanecer, comprando lingerie que considerava moderna, mas que a meus olhos, só exprimia o quão parada no tempo ficara. Eu dizia, quero que faças ahegao, que eu lambo-te o cuspo e o spandex. Teve de ir ver à wikipedia, exclamando que não achava graça nenhuma à coisa. Revelando claramente que eu, era um condicional num par da sua cabeça. Tudo calculado, até onde se vai, de onde não se passa. Mais que chatear-me por não fazer comigo, o que fizera com outros, dava por mim a pensar na forma como o tempo marca as pessoas, como gado por ferro incandescente, que se tenta adaptar com maquilhagem da queimadura estilizada. Não há escapatória, com a morte ali à esquina. Mais um gole de água do esquecimento. Também eu lhe lanço a minha persona, a que me dá menos trabalho a manter, por sair automática, e que faz durar o peixe, leia-se, as fodas, o mais possível, porque não sei quando virá o próximo abastecimento de esquecimento em forma de gaja. E na maior parte das vezes, saboto-me a mim e aos dois, pois sei que não é ‘ali’ que devo estar, e que só ‘lá’ estou, por causa da droga, da droga que vem na antecipação da foda e na clareza pós copulatória. Quando o demónio da pressão para foder, se acalma, e tenho um vislumbre aproximado de quem sou, sem ser uma máquina desejante. Eu estava-me a cagar para o ahegao. O que queria era alguém a quem eu dissesse que ia assaltar um banco, e esse alguém sem que nada fosse dito, fosse por si ligar o carro para cometer o crime. Sem reservas e plenamente embarcada no meu oceano. Por isso raramente toco em carne da minha idade ou mais velha. São, na minha experiência, fúteis e manientas com a sua futilidade. Camuflam a sua incapacidade de paixão sob a palavra ‘maturidade’, que são dignas e já não fazem as tolices que fizeram na adolescência. Que o acesso à sua intimidade é uma via sacra na escadaria do Bom-Jesus de Braga, feita de pequenas cumplicidades que não passam de testes lançados a mim, para ver se mereço que se envolvam emocionalmente comigo. São, na minha experiência, pessoas gastas ou fingidas, que me vêem como bóia na sua deriva de náufrago. E eu não quero essa merda. Rio-me até, quando atraso o sexo, dou com algumas a perguntarem-me se gosto de mulheres, pois querem espevitar-me atacando o nervo que acham que me manipula, da minha masculinidade. ‘-Adoro mulheres. Não de todas.’ Sem intenção que se esforcem mais para me agradar. Mas de facto, porque é verdade. Invariavelmente saem as promessas. «-Vou-te fazer um broche que vais ver se não voltas a gostar de todas as mulheres.» Rio-me e beijo-as no rosto, e não me dou ao trabalho que ouviram as palavras que eu disse mas escutaram os sons das cabeças delas. Como eco distorcido pela massa encefálica, que bate sozinho nas paredes do crânio, e nos lugares-comuns em que acreditam e lhes dão a falsa segurança de achar que percebem algo do mundo, dos homens, das coisas. «-Eu não sou uma mulher qualquer João, eu dou aulas há 20 anos, na universidade.» Responde uma, à minha provocação de que os doutoramentos não são mais que especializações fatelas, que dão segurança aos inseguros. Ela diz que não, que são coisas que as pessoas escolhem porque gostam. Eu digo, sabes que, é como fechares-te num canto isolado da ‘sociedade’ e viveres numa espécie de casulo. Escrevo num papel um número e peço-lhe para converter para binário. Diz que não sabe nem tem de saber, não lhe interessa. Que conveniente, penso. Cortar da consciência, todos os recantos em que não somos bons, ou que ignoramos. Capitães das nossas jangadas à deriva. «-Então? Demoras muito?» A cerveja acaba-se na garrafa, e tiro as cuecas que coloquei, para não poluir os bancos da cozinha onde amanhã os filhos dela irão jantar. Twerka-me encostada ao baixo ventre e bem sabe que não consigo resistir a uns lábios apanhados de través. Era um prémio para mim, aparecer pendurado por uma ponta do seu braço. Vestia-se com denodo bajulado pela moda vigente, sabia pegar nos talheres da forma correcta. Não revelava muito de si, o que passa por uma certa circunspecção de carácter, tudo concorria para transparecer que era uma gaja de nível. Sim que as há, sem nível. Comem com a boca aberta, e vemos a comida rebolar entre os dentes como massa de cimento nas entranhas de uma betoneira. Falam alto quando bebem um copo a mais. Ficam desfraldadas quando dançam genuinamente pelo amor do movimento. Parece que são coisas diferentes, ou só unidas tipo Frankenstein. Esta merda das éticas, tem muito que se lhe diga. Paguei-lhe 15 imperiais ali no Vasco da Gama e fodemos no meu Vitara, meio ébrios e com uns mirones que pairam ali à noite e que sabem que a malta vai para ali pinar, e ver o Céu estrelado reluzir no Estuário. As saudades que tenho de Lisboa. Saí cá para fora quando vi fugir um, que espreitara para dentro do carro e dos vidros com a condensação do nosso arfar sôfrego. Agarrei-o, ainda com o gervásio extasiado pelo luar cheio, e exclamei «-Ó filho da puta, mas não tens mais nada que fazer, que espreitar os outros a foder?» Assim que perguntei, exasperado pela interrupção nervosa do acto, mais por ela que por mim, envergonhei-me. Claro que quem assim se interessa pelo sexo alheio, não tem próprio. Larguei-o, encurvado pelos meus punhos em prece. Arrependi-me. E ao voltar ao carro, assegurei-as que não voltaríamos a ser incomodados e que se as coisas ficassem por ali, não havia problema nenhum. Ela não fez caso e meteu-se por cima de mim, beijando-me e suspirando guturalmente ao meu ouvido. Ó amiga. Usei dela até me fartar e ela pedindo por mais. Calcorreámos a Ribeira, e a nossa boca unida selou a memória que soubemos logo na altura ser algo que perduraria até esticarmos o pernil. As saudades que tenho do Porto. Uma disse-me adeus, sentada no colo de outro. Outra foi à sua vida sem plano B que merecesse reprovação. Prefiro sempre a vadia à senhora. E não é que raramente me engano? |
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